SOMA

SOMA

por Felipe Demartini

Um software que ainda precisa de desenvolvimento

Você pode até não conhecer a Frictional Games de nome, mas com certeza já ouviu falar sobre a obra dela. Os suecos da desenvolvedora independente são responsáveis por dois grandes expoentes recentes do mundo do terror – Amnesia: The Dark Descent e a série Penumbra, com quem carimbaram o passaporte para se tornarem uma das principais produtoras do gênero. Agora, eles deixam o clima o passado e o presente para trás e focam no futuro, com SOMA, seu mais novo game.

Lançado para PC e PlayStation 4, o game chega com toda a carga de suas inspirações. São nomes como o escritor Philip K. Dick, filmes como “Alien: O Oitavo Passageiro” e jogos clássicos como BioShock. Todos, basicamente, trazendo o mesmo tema – isolamento, ciência e, acima de tudo, a barreira que transforma a ciência e a evolução em horror. Uma comparação que pode parecer positiva de início, mas que acaba se tornando também um dos maiores problemas do título.

Gente como a gente

SOMA coloca o jogador na pele de uma pessoa exatamente como ele. Aqui, não estamos controlando um policial altamente treinado ou um militar que sabe lidar com situações de pressão. Nem mesmo é possível entrar em nenhum tipo de combate. O personagem principal, Simon, não apenas é um nerd que trabalha em uma loja de quadrinhos, mas também não faz a menor ideia de como foi parar na estação PATHOS-2, quase cem anos no futuro, durante um tratamento para problemas neurológicos.

Em sua estreia nos consoles de mesa, a Frictional Games mostra que ainda tem muito o que aprender.

É justamente dessa construção de trama e da ausência de conhecimento que se cria boa parte da tensão de SOMA. Você não faz a menor ideia do que está acontecendo nem como lidar com tudo aquilo, estando junto com o protagonista em sua jornada de descoberta. Apesar de reconhecível, esse mundo é todo novo e nada parece fazer sentido.

O game se apoia nessa ideia durante praticamente toda a experiência. São poucos os sustos baratos e jump scares, e a verdadeira tensão se concentra no fato de, simplesmente, não sabermos o que está à frente, mas mesmo assim, precisamos continuar. Somos movidos não apenas pela necessidade de sobreviver, mas também pela curiosidade de descobrir mais sobre o que está acontecendo e desvendar todo o mistério.

Dilemas existenciais também aparecem aqui, com discussões sobre humanidade, alma e consciência permeando praticamente todo o game. São reflexões que, inclusive, acabam sendo fixadas no jogador mais do que a trama em si, fraca e facilmente reconhecível se você é um fanático por literatura e cinema de ficção científica.

SOMA

Ao tentar trabalhar com o psicológico do jogador e criar um recorte de situações conhecidas, SOMA também entrega o jogo muito cedo. A história interessante, que envolve o destino da raça humana, robótica e um apocalipse, já foi vista antes em diversas mídias e é bem fácil prever o que vai acontecer a seguir, enfraquecendo bastante o pilar de descoberta que é um dos principais para sustentar o game.

Pouco funcional

SOMA tem graves problemas de performance. No PS4, apresenta inúmeras quedas de frame rate, principalmente nas áreas submersas, onde boa parte da trama é situada.

No aspecto visual e de jogabilidade, SOMA lembra muito os velhos títulos do PC, que começavam a brincar com gráficos tridimensionais. Praticamente não existem indicações do que fazer e a tela é limpa, sem interface. Poucos botões são utilizados para realizar todas as ações, de forma a evitar que uma possível complexidade entrasse no caminho da tensão e do terror. Praticamente todos os objetos na tela podem ser manipulados, mesmo que não sejam importantes para a história.

A sensação é que estamos jogando um título de dez anos atrás. São muitas as barreiras invisíveis e os objetos que parecem ser interativos, mas na verdade não são. Isso se une a uma movimentação vagarosa e muitos momentos em que simplesmente se está andando, sem saber exatamente o que fazer nem para onde ir.

Essa ideia também passa pelos visuais. Os cenários são o único destaque aqui, cheios de detalhes e elementos para explorar. Por outro lado, os poucos personagens que aparecem são como bonecos de cera, enquanto as reproduções visuais deles em telas carecem de expressão e são nada mais do que imagens, muitas vezes com estática colocada sobre elas para dar uma sensação de movimento.

SOMA

A comparação entre jogos semelhantes é inevitável, e mais uma vez, trabalha contra o jogo. Estamos falando de um título claramente inspirado em outros e que, também, é pior do que os outros. A inspiração em BioShock e as semelhanças com Alien Isolation são bem-vindas e ajudam a acomodar o jogador, mas na maior parte do tempo, a vontade que se tem é de largar SOMA e jogar tais títulos novamente.

Essa cara de que estamos jogando um produto abaixo das expectativas só se torna pior quando percebemos os graves problemas de performance do título. Pelo menos no PlayStation 4, SOMA apresenta inúmeras quedas de frame rate, principalmente nas áreas submersas, onde boa parte da trama é situada.

Ao tentar trabalhar com o psicológico do jogador e criar um recorte de situações conhecidas, SOMA também entrega o jogo muito cedo.

A tensão, o tempo todo, é interrompida por loadings que mais parecem travamentos, não fosse a pequena imagem de um cérebro no canto inferior direito da tela indicando isso. O game já começa com um longo carregamento, e eles se repetem a todo momento durante a experiência, mostrando falhas na otimização. No PC, por outro lado, essa falha não é tão flagrante assim.

Apenas o som merece aplausos incontestáveis no aspecto técnico. Boa parte da tensão de SOMA é construída por ele, e o áudio abafado e difuso funciona muito bem para passar a sensação de clausura e isolamento. São muitos os momentos em que o silêncio será cortado bruscamente por estrondos, pancadas ou barulhos pesados, e você deve ficar arrepiado em absolutamente todos eles.

SOMA

Em resumo, SOMA não é exatamente o game de horror que se esperava. Em sua estreia nos consoles de mesa, a Frictional Games mostra que ainda tem muito o que aprender e, mais do que isso, precisa rever suas práticas para continuar relevante.

A transição do terror para o futuro acaba transformando o game em uma alegoria dele mesmo. Assim como na trama, tudo é feito sempre com a melhor das intenções, mas na prática, acaba passando longe de funcionar como deveria.

SOMA foi analisado no PlayStation 4.