KLAUS

KLAUS

por Felipe Demartini

Um surpreendente adeus à quarta parede

Vivemos hoje em uma indústria que não guarda muito lugar para a surpresa. É claro, de vez em quando, somos brindados com anúncios inesperados, mas no processo disso até a chegada de um game de qualidade às lojas, segue-se um longo caminho de divulgação. Sempre sabemos o que esperar, sem contar quando o assunto são sequências e franquias reconhecidas. Temos muita qualidade, mas ao mesmo tempo, os momentos “eu não esperava por isso” se tornam cada vez mais raros.

E é justamente nesse segundo espectro que se encontra KLAUS, o primeiro game da desenvolvedora independente La Cosa Entertainment, que chega já com potencial para se tornar um dos melhores da biblioteca independente do PlayStation 4. Por trás da cara simples e minimalista de um jogo de plataforma comum, está um dos títulos mais interessantes desse começo de ano.

E boa parte dessa qualidade toda está em sua história, daquele tipo que quanto menos você souber, melhor. No game, o jogador assume o comando de um funcionário de escritório que acorda sem saber onde está e com lapsos de memória de seu passado. Sua única pista é uma tatuagem no braço, com o nome Klaus, e um forte sensação que o impele a seguir em frente por um labirinto de obstáculos, armadilhas e enigmas.

Basta jogar alguns minutos para perceber que, assim como a maioria de nós, seus desenvolvedores também nadam em uma rica fonte de títulos clássicos e referências do passado.

Mais do que a trama, merece destaque a forma como ela é contada. Em KLAUS, a quarta parede que separa o jogador do game é inexistente e, durante todo o tempo, o protagonista estará conversando com você. O papo rapidamente evolui de referências à cultura pop e perguntas sobre o que está rolando para afirmações existenciais, revoltas e uma sensação crescente de que, apesar de caminhando juntos, você e o personagem principal parecem estar em lados opostos.

Não existem diálogos nem cutscenes, e no melhor estilo minimalista que permeia todo o título, a conversa acontece por meio de textos escritos na tela, que vão aparecendo na medida em que se avança. Tudo está em português e, mais do que uma decisão estética, eles dão uma noção de um pensamento que se constrói aos poucos, na medida em que as coisas vão acontecendo.

KLAUS

Em jogos, uma das coisas mais importantes é a sensação de estar no controle, e essa é uma das brincadeiras mais presentes no título da La Cosa. Durante todo o tempo, o protagonista se questiona se é ele mesmo, ou o jogador, quem o está pilotando. Quando se assume o comando de um segundo personagem principal, então, a coisa se torna ainda mais intrincada, e a casa passo, quando deveríamos estar mais perto da resposta, acabamos encontrando mais perguntas.

As cores sólidas e os tons simples de KLAUS também não estão ali por uma decisão meramente visual. Absolutamente todos os elementos do cenário têm uma razão de ser, e refletem o estado de espírito do personagem principal e, muitas vezes, também do próprio jogador. Tons mais quentes indicam fases mais difíceis e momentos tensos, enquanto a frieza de certas descobertas pede pelo distanciamento de um hospitalar azul claro.

Existem também momentos em que passeamos pela história do personagem principal, e mais uma vez, tudo muda em termos de tons, elementos e até jogabilidade. É nesses momentos mais abstratos que a direção de arte da La Cosa Entertainment brilha, apesar de a trilha sonora repetitiva não acompanhar a variação presente no restante do jogo.

No ombro de gigantes

Basta jogar alguns minutos de KLAUS para perceber que, assim como a maioria de nós, seus desenvolvedores também nadam em uma rica fonte de títulos clássicos e referências do passado. Não é só o protagonista principal que possui um repertório afinado, como ele mesmo afirma, mas qualquer um com um pouco de bagagem será capaz de perceber o pastiche de influências do título.

A própria sinopse não esconde isso e, desde o começo, afirma que a aventura lembra muito games como Super Meat Boy e Mega Man, onde a precisão é tudo. Além disso, existem referências claras a títulos como Battletoads e Street Fighter II, com essa última, inclusive, rendendo momentos engraçados com o segundo personagem jogável, K1, e até mesmo um trocadalho bastante ruim que dá nome a um dos troféus do game.

O game é curto e pode ser terminado em algumas horas. O tempo que passamos com KLAUS e, acima de tudo, seus questionamentos, porém, acabam perdurando mais.

Em uma indústria na qual, sob a alcunha de referenciar um título do passado, muitos desenvolvedores acabam seguindo pelo fácil caminho da clonagem, a La Cosa acaba recebendo destaque por, justamente, usar os elementos do passado em seu favor. Apesar de todas as suas inspirações, o conjunto acaba sendo bastante original.

E fazendo jus à dinâmica dos primeiros títulos citados, KLAUS apresenta uma jogabilidade bastante precisa. Isso, afinal de contas, é essencial em um jogo com tantos espinhos, lasers, explosões e plataformas que querem te matar. Ao mesmo tempo, é possível sentir um pouco de realismo, principalmente no tratamento do momentum. Aqui, é preciso saber a hora certa de correr e de parar, e os apressadinhos não terão vez.

KLAUS

Os comandos são simples, e um título desse tipo nem precisa de muito. O touchpad do PlayStation 4 também tem sua utilidade, e não serve apenas para controlar menus, e sim, faz a ponte entre as ações do protagonista e aquelas desempenhadas pelo próprio jogador. É um distanciamento que não apenas torna o gameplay um tanto inusitado, apesar da simplicidade, mas também se encaixa bem com a história.

Nem sempre, porém, é assim. Existem diversos momentos em que KLAUS simplesmente buga, e você verá seu personagem atravessando paredes ou não respondendo de forma correta aos comandos. Na primeira vez, achará até que o problema é intencional e faz parte do próprio game, entretanto, rapidamente vai perceber que não há muito o que fazer a não ser morrer e torcer para que a bruxaria se desfaça.

KLAUS chega com potencial para se tornar um dos melhores da biblioteca independente do PlayStation 4.

As falhas, entretanto, acabam não minando a principal característica de KLAUS, justamente, a de surpreender. Não é sempre que vemos uma trama intrincada e uma jogabilidade variada em um game simples de plataforma, e é justamente desse caráter que a La Cosa se aproveita para entregar uma experiência como poucas.

O game é curto e pode ser terminado em algumas horas. O tempo que passamos com KLAUS e, acima de tudo, seus questionamentos, porém, acabam perdurando mais do que o período usado para chegar efetivamente a seu final.

O game foi analisado no PlayStation 4, em cópia cedida pela La Cosa Entertainment.