Dois games de sucesso depois, é hora de renovar. Com o novo Battlefield, a Electronic Arts deixa de lado o padrão de lançamentos anuais – e a competição direta com o rival Call of Duty – para fazer tudo de novo, de novo. Temos uma nova desenvolvedora, a Visceral Games, uma nova pegada, a de polícia contra bandido, e um público já cativo, mas que precisa ser reconquistado após os problemas de servidor e bugs do título anterior.
O resultado dessa mistura é Battlefield Hardline, game que traz uma guerra tão intensa quanto a vista nos campos de batalha dos jogos anteriores, mas agora, nas ruas da cidade. Com um modo campanha fortemente inspirado em novos e velhos seriados de TV, e um multiplayer que traz variações que só poderiam ser aplicadas nesse contexto, a EA e a Visceral querem entregar algo novo, mas ao mesmo tempo, plenamente reconhecível. O resultado, porém, é um jogo que acaba ficando em cima do muro, sem empolgar de verdade, nem ser completamente descartável.
A guerra urbana insere os jogadores em um contexto bastante reconhecível para todos. Não é como se os grandes embates militares não existissem, mas para boa parte do público gamer, ele está distante e aparece apenas na TV. Aqui não. Battlefield Hardline mostra uma ação que acontece nas ruas da cidade, tiroteios detonados em um hotel no qual você poderia estar hospedado e centros criminosos que poderiam estar localizados no prédio de escritórios de onde você lê este texto nesse momento.
O game te incentiva a ser silencioso e planejar sua ação taticamente. Porém, justamente no momento mais necessário, Battlefield Hardline nos deixa na mão.
É um realismo que se encaixa muito bem com uma das premissas básicas da franquia, a de que o Rambo não tem vez. Com balas que seguem uma trajetória em arco, cenários que se destroem e podem ser atravessados pelos disparos ou o trabalho sonoro que já é peculiar, a Visceral entrega um ambiente extremamente verossímil. Mas ele só dura até o momento em que você encontra os primeiros inimigos.
Em uma característica que já havia sido percebida durante os testes Beta do título, Hardline transforma os inimigos em verdadeiras esponjas de balas, tanto na campanha quanto no modo multiplayer. É bastante comum ver oponentes aguentando uma saraivada de balas de metralhadora no peito, ou pior ainda, planejar aquele headshot perfeito e silencioso para perceber que o adversário realmente foi atingido, mas não morreu como deveria.
Levando em conta o caráter furtivo de boa parte das missões do título, isso é inexplicável, para dizer o mínimo. O game te incentiva a ser silencioso, a planejar sua ação taticamente – afinal de contas, sempre se está em menor número, invadindo um local e encarando um exército. Partir para a porrada nem mesmo garante pontos para o jogador. Porém, justamente no momento mais necessário, o game nos deixa na mão e acaba transformando o que poderia ser um disparo perfeito em nada mais do que um alerta para todos os bandidos de que o protagonista está na área.
Os fãs dos rifles de franco-atirador, no modo online, também vão perceber que o tal “poder da matemática” não é mais tão poderoso assim. Na época dos testes Beta, a Visceral explicou os headshots ineficazes em termos de balanceamento, como uma forma de privilegiar os jogadores habilidosos, e não os sortudos. Não colou. A guerra virtual, mais do que um cenário de poder, é baseada em de oportunismo, principalmente quando falamos em uma jogabilidade tão rápida como a proporcionada por Hotwire e alguns dos outros modos. Esse aspecto, porém, acaba minado por uma decisão de design simplesmente errada.
A pergunta acima será feita pelos parceiros controlados pela IA inúmeras vezes ao longo da campanha. Em Battlefield Hardline, a Visceral deixou a linearidade de lado para investir em cenários gigantescos e cheios de caminhos, coberturas e pontos de visão. Inimigos estão em patrulha, e alarmes podem ser ativados para chamar reforços, caso necessário. Com um celular, o jogador pode marcar inimigos e até mesmo reconhecer aqueles suspeitos que apresentam maior interesse, e devem ser presos em vez de mortos. Na sequência, cabe a cada um escolher como deseja agir e lidar com os efeitos disso.
Lembra bastante o esquema visto em Far Cry, e isso é ótimo, pois tem para todo mundo aqui. Os jogadores que curtem sair atirando em todo mundo podem limpar o terreno bastante rapidamente, aproveitando-se das barreiras e escolhendo bem suas armas. Porém, perderão elementos que podem acrescentar à trama. Quem preferir, pode seguir sorrateiramente, com pistolas silenciosas, incapacitando os inimigos um a um, coletando as provas, prendendo suspeitos e evitando que uma pilha de corpos se acumule atrás de si.
Temos em Battlefield Hardline o que pode ser considerada uma das piores localizações já feitas nos últimos anos. Pouco inspirado, Roger, muitas vezes, não faz a menor questão de esconder que está lendo um texto.
Além disso, ao contrário dos games anteriores, o jogador pode agora escolher com quais armas vai continuar a aventura. Isso permite uma adequação ainda maior ao estilo de cada um e torna a progressão mais interessante. Investigar os cenários, encontrar pistas ou capturar bandidos garante pontos que habilitam novos equipamentos, e tornam o caminho adiante muito mais fácil. Isso acontece de maneira bastante rápida e, logo, o usuário consegue montar um arsenal bem de acordo com as próprias habilidades, e passa, então, aprimorá-lo.
Tudo isso traz uma variação na jogabilidade que tornaria Battlefield Hardline uma experiência bastante interessante, talvez única, não fosse a inteligência artificial precária dos oponentes. Após algumas horas de jogo, será fácil prever os padrões de comportamento deles, e mesmo em cenários nunca antes visitados, dá para entender exatamente como tudo vai acontecer e qual é a melhor maneira de agir. Por mais que tenha apresentado um cenário aberto, a Visceral muitas vezes mostra sutilmente ao jogador o caminho que ele deve seguir, e com isso, acaba transformando a escolha de abordagem mais em algo mecânico do que uma ação intuitiva.
Não ajuda, também, a falta de consequência que é inerente de praticamente todos os jogos de tiro em primeira pessoa. Como em praticamente qualquer título, a morte não significa muita coisa em Battlefield Hardline, e caso julgue que poderia ter agido diferente ou acabe matando sem querer um suspeito importante, basta voltar ao checkpoint para fazer tudo de novo.
Após algumas horas, será fácil prever os padrões de comportamento dos inimigos, e mesmo em cenários nunca antes visitados, dá para entender como tudo vai acontecer e qual é a melhor maneira de agir.
O enredo também não faz nenhum favor e, mantendo a tradição, é raso e pouco interessante. A influência de seriados e filmes policiais dos últimos 20 anos se traduz em uma história como já vimos diversas no passado. Temos um policial certinho, Nick Mendoza, que acaba se envolvendo com as pessoas erradas e, ao recusar-se a participar de esquemas de corrupção, acaba preso em uma armação. Mais tarde, se une a parceiros improváveis para livrar sua cara e trazer os responsáveis por tudo aquilo à justiça.
Nem mesmo a presença de algumas caras conhecidas – como Mark Rolston (Aliens, O Resgate), Alexandra Daddario (True Detective) e Adam Harrington (L.A. Noire) – dão um pouco mais de corpo ao enredo. Sabemos que o modo história não está ali apenas para constar, mas a verdade é que ele, mais uma vez, será esquecido, como na maioria dos outros Battlefields, em detrimento do multiplayer – opção que, inclusive, aparece em primeiro lugar no menu do game.
E como se termos uma história rasa e pouco interessante já não fosse o suficiente, temos em Battlefield Hardline o que pode ser considerada uma das piores localizações já feitas nos últimos anos. Em uma decisão que ainda soa como inexplicável, a Warner do Brasil decidiu colocar Roger, vocalista da banda Ultraje a Rigor, no papel do protagonista, um ato que já soou negativo na época do anúncio e apenas se provou uma ideia das mais erradas.
Não dá para culpar Roger integralmente aqui, afinal de contas, ele nem mesmo é ator. O problema, de verdade, é de quem aprovou essa ideia.
Não é como se o marketing usado nos cinemas funcionasse para os games. A presença de um apresentador da Globo em uma animação pode gerar o interesse daqueles que não assistiriam ao filme, ou melhorar a experiência dos pais que serão obrigados pelos filhos a ver o desenho. Nada disso se aplica aqui – não é como se alguém fosse decidir comprar Battlefield Hardline apenas pela presença de Roger.
Pouco inspirado, o vocalista, muitas vezes, não faz a menor questão de esconder que está lendo um texto colocado à sua frente. São poucas as nuances de personalidade exibidas no personagem, enquanto a voz presa simplesmente não se encaixa com Mendoza. Não dá para culpar Roger integralmente aqui, afinal de contas, ele nem mesmo é ator, portanto, interpretar não faz parte de seu rol de habilidades. O problema, de verdade, é de quem aprovou essa ideia.
O trabalho técnico, que não seria capaz de fazer milagres, também deixa a desejar em termos de masterização. A voz de Roger aparece mais baixa em alguns momentos e mais alta em outros, destoando da dos outros personagens na maioria das cutscenes. O restante da localização é até competente, mas também traz seus problemas de tradução, principalmente.
No final das contas, a melhor alternativa é simplesmente deixar de lado a versão em português e jogar em inglês. Não ajuda o fato de que não é possível selecionar, por exemplo, menu e legendas em nosso idioma com as vozes originais, outra falha bastante comum em jogos localizados. O que não dá para ignorar, porém, é o grande passo atrás que a localização de Battlefield Hardline representa – em um mundo no qual temos trabalhos como o de The Last of Us, por exemplo, algo deste nível não deveria mais existir.
Nunca imaginei que, em um game de tiro, um dos maiores prazeres que eu iria encontrar seria dirigir um carro em alta velocidade. Foi justamente isso que Battlefield Hardline me entregou em seu modo multiplayer, com Hotwire se tornando o grande destaque da competição conectada e também uma das modalidades mais divertidas e povoadas do game.
Já na versão Beta dava para perceber isso, e na edição final, com mais mapas, tal aspecto apenas ficou cravado. A ideia de transformar as bases tradicionais de Conquest em veículos, que eliminam tickets do adversário quando são dirigidos em alta velocidade caiu muito bem, trazendo uma jogabilidade frenética e dinâmica ao multiplayer. O balanço das partidas pode ser rapidamente modificado de acordo com a habilidade dos jogadores, enquanto os cenários se transformam em verdadeiros campos de lançamento de granadas e explosivos. Não tem como não se empolgar.
Outros modos também trazem variações interessantes. Em um, por exemplo, a tradicional bandeira é substituída por dinheiro, que deve ser roubado da base inimiga e levado até os próprios cofres. Enquanto isso, os tradicionais team deathmatch e Conquest também estão lá, trazendo tudo aquilo que é essencial para os puristas da saga Battlefield.
Os fãs dos rifles de franco-atirador, no modo online, também vão perceber que o tal “poder da matemática” não é mais tão poderoso assim.
A pouca variedade de armas no multiplayer, porém, acabou frustrando muita gente. As mais utilizadas estão lá, assim como uma boa cota de acessórios como scopes, silenciadores e tudo mais. Os fanáticos por personalização, porém, vão perceber que esse aspecto acabou negligenciado e, quando unido à queda na efetividade dos headshots, acabam removendo de Battlefield mais um de seus atrativos.
No final das contas, Hardline é como um filme de Michael Bay ou aqueles longas descompromissados que passam na Sessão da Tarde. Apesar de servir a seu propósito e divertir por alguns momentos, acaba não trazendo nada de realmente memorável. E essa descrição soa bastante esquisita quando estamos falando de uma das grandes séries de tiro em primeira pessoa, que concorre diretamente com Call of Duty pelo posto de maior do mercado.
Em seu capítulo de estreia, a Visceral não faz feio, mas mostra que não chegou ao nível da DICE ainda. Ainda assim, a ideia de diversificar o portfólio de Battlefield merece, se não a sua atenção, talvez um pouco de reconhecimento. Hardline pode não ser tão épico, profundo ou destruidor quanto seus dois antecessores, mas não faz feio, e pode acabar gerando bons frutos.
O game foi analisado no PlayStation 4, em cópia cedida pela Warner.