A comunidade Resident Evil é altamente fragmentada, desde os tempos do quarto game da série. Ali, houve um racha entre os amantes da velha jogabilidade, com câmera fixa e foco no horror, e da nova, que traz uma pegada mais de ação, com muito tiroteio e grandes quantidades de inimigos. Números de vendas e notas de reviews se misturam para definir a aceitação ou desinteresse do público por determinadas propostas, enquanto uma Capcom visivelmente perdida tenta atirar na direção mais segura, nem sempre acertando.
A discussão dura mais de uma década, e inclusive, foi revivida recentemente com a demo de Resident Evil 7. E em meio a tantos experimentos e títulos diferentes, fica difícil saber exatamente o que a série representa em sua essência, uma vez que cada fã tem uma visão diferente e foi conquistado por um aspecto da franquia. Entretanto, com Umbrella Corps, temos pelo menos uma certeza: isso, definitivamente, não é Resident Evil.
Anunciado no final do ano passado e curiosamente desenvolvido no motor gráfico Unity, a proposta do título é apresentar uma ação rápida e veloz, focada totalmente no multiplayer, mas com alguns pequenos acenos para quem gosta de jogar sozinho. O resultado, entretanto, é uma verdadeira bagunça, que não apenas constitui um título ruim, mas também uma proposta que enfraquece a marca que tenta representar.
Fica difícil saber exatamente o que incomoda mais na experiência com Umbrella Corps. O que se sabe, entretanto, é que temos nas mãos um título visivelmente mal-acabado. A falta de cuidado de seus desenvolvedores com o game se mostra claramente em diversos aspectos, passando por sua jogabilidade travada e com problemas na detecção de obstáculos até a extrema poluição visual em que se transformam os cenários.
As arenas são cheias de elementos, como partículas, fogo, explosões, monstros e todo tipo de destroços. Isso, por si só, seria uma amostra de que coisas estão acontecendo e existem marcas dos confrontos e destruição que aconteceram ali. O problema é que todo inimigo morto também deixa itens no chão, com armas e munições para serem coletadas pelos outros e indicadas com uma seta do tamanho do próprio personagem.
Fica difícil saber exatamente o que incomoda mais na experiência com Umbrella Corps, um título visivelmente mal-acabado.
Dificilmente alguém troca de arma durante uma partida desse tipo, uma vez que os kits de ataque são escolhidos antes ou durante os ressurgimentos. Sendo assim, tudo acaba virando uma massa disforme, com elementos desnecessários espalhados pelo chão.
Além do impacto claro disso sobre a taxa de quadros por segundo, temos influências também na jogabilidade, com a presença de um item dificultando a utilização do sistema de cobertura e a localização de objetivos como amostras virais ou malas, presentes em alguns modos.
O maior diferencial de Umbrella Corps, o uso de ataques físicos com as machadinhas portadas por todos os personagens, não funciona bem, e mais do que isso, parece nem mesmo ter sido testado pelos responsáveis. Nas partidas online, a utilização do item é capaz de causar morte instantânea em um inimigo, mas também, costumeiramente, no próprio jogador, pelo travamento de poucos segundos existente sempre que se inicia um movimento com a arma. Nesse meio tempo, fica-se exposto a tiros e granadas do inimigo.
Esse lag também pode ser percebido na reação dos monstros aos disparos recebidos. Eles não são objetos cosméticos do cenário e podem atacar os jogadores, principalmente depois da destruição do Zombie Jammer, que torna os personagens invisíveis a eles, ou precisam ser mortos como objetivos de certos modos. O que acontece com frequência, entretanto, são criaturas que não reagem aos disparos recebidos no momento em que são atingidos, dificultando estratégias e a jogabilidade como um todo.
Prejudicam a vida, ainda, um sistema de ressurgimento bastante mal programado, que muitas vezes coloca o jogador para nascer ao lado de um inimigo, e os problemas de balanceamento nas partidas, que muitas vezes une gente de nível baixo em uma equipe e usuários avançados na outra, tornando a partida menos uma competição e mais um massacre.
Aqui, é importante cogitar que pode ser um problema na programação das partidas, mas também um sintoma de algo bem mais grave: a falta de jogadores online. Esse segundo aspecto não justifica a separação “bons de um lado, noobs do outro”, mas mostra que, se existe uma preocupação em colocar gente de habilidade parelha para jogar junto, ela simplesmente pode não estar funcionando bem pela ausência de pessoas para isso.
Porém, é interessante notar algumas ideias interessantes em meio ao mar de lama. A destruição de Zombie Jammers inimigos pode transformar completamente o balanço de uma partida, sendo favorável em modos que exigem a morte dos monstros ou extremante negativo quando se tenta ser estratégico.
As arenas são bem construídas, com várias rotas de ataque e fuga, bem como propiciam diversas possibilidades, de movimentações mais furtivas até ataques violentos e velozes. Quem conhece o legado da série, ainda, se sentirá em casa em cenários como o da vila de Resident Evil 4 ou da entrada da delegacia em RE2, algo que fornece mais uma vantagem estratégica para quem já é veterano da série.
E se todos os problemas de jogabilidade já não fossem suficientes para afastar os jogadores, Umbrella Corps ainda peca pela mesmice. O game traz apenas duas modalidades para se jogar, um modo sem ressurgimentos e outro com, que permite a variação entre meia dúzia de objetivos e modalidades em uma sequência aleatória, sem a possibilidade de escolher modos individualmente.
Vale, entretanto, uma nota positiva para o modo O Experimento, única possibilidade para quem curte jogar sozinho, trazendo objetivos pontuais e um desafio bastante significativo.
E quando eles aparecem, vêm sem aviso nem informações. Um novato pode não entender o que precisa fazer enquanto é jogado de cabeça na ação, que em alguns casos, pode ser extremamente rápida. Durante nossos testes, por exemplo, chegamos a presenciar uma partida que durou menos de 30 segundos, em um modo no qual o objetivo era coletar cinco malas espalhadas pelo cenário.
É pouco conteúdo para um game que custa de R$ 60 a R$ 100 de acordo com a plataforma do usuário. Existe grande variação, sim, em termos de customização de personagens, mas ela se resume a cores e diferentes possibilidades de tons para as poucas armaduras e capacetes disponíveis. Um DLC adiciona opções baseadas em personagens da série Resident Evil, mas deve ser comprado separadamente ou como parte de uma edição digital de luxo. São propostas que agradam quem gosta desse tipo de coisa, mas que têm prazo de validade bem curto.
Quando se observa a partir de certos aspectos, Umbrella Corps acaba não se tornando um título necessariamente ruim – ele traz todos os modos clássicos dos games de tiro e algumas propostas que somente poderiam existir no mundo de Resident Evil. Entretanto, mesmo assim, o resultado acaba sendo genérico e pouco atrativo para praticamente todo tipo de público.
Em meio a tantos títulos e experiências diferentes, fica difícil saber exatamente o que a série representa em sua essência. Entretanto, com Umbrella Corps, temos uma certeza: isso, definitivamente, não é Resident Evil.
Vale, entretanto, uma nota positiva para o modo O Experimento, única possibilidade para quem curte jogar sozinho, trazendo objetivos pontuais e um desafio bastante significativo. É aqui que a curta história desse mundo é contada, com uma organização realizando testes que se baseiam no legado da Umbrella. O título acaba fortificando ainda mais as teorias sobre um dos personagens mais reconhecidos da saga, dando uma leve indicação do que pode estar por vir. Se isso é positivo ou não, entretanto, vai da relação de cada um com a trama e seus protagonistas.
Tirando isso, entretanto, resta muito pouco que não é descartável em Umbrella Corps. Para os fãs de shooters, há muito pouco valor aqui. Apesar de arenas e alguns modos interessantes, o título traz combates genéricos, personagens ainda mais padronizados e simplesmente não funciona em seu maior diferencial.
Quando se pensa como fã de Resident Evil, então, o buraco é muito mais embaixo. Se games como Operation Raccoon City e RE6 já haviam demonstrado os efeitos danosos de um desenvolvimento inexperiente e descuidado sobre a franquia, Umbrella Corps chega como a prova final não apenas do distanciamento da Capcom em relação às vontades dos fãs, mas também daquilo que faz um título ser interessante e relevante, como a série sempre foi.
No fim das contas, o jogo acaba se mostrando como mais um sintoma da atual crise de identidade na saga e evidencia a necessidade de uma renovação que, parece, está diante de nós com Resident Evil 7 e o remake do segundo jogo da série. Basta que a Capcom aprenda a entender exatamente o que os fãs e o mercado desejem, e acima de tudo, deixe de colocar o ganho rápido de algumas moedas acima do reconhecimento de uma das franquias mais consagradas do mundo dos games.
Umbrella Corps foi analisado no PlayStation 4, em cópia cedida pela Capcom.