Unravel

Unravel

por Felipe Demartini

Falando com o coração

Existem histórias que não precisam ser contadas com palavras, e sentimentos que não exigem explicação. São aspectos que estão presentes em qualquer um, em maior ou menor grau, e fazem com que as coisas tenham mais sentido, as memórias, mais gosto, e os momentos, melhor aproveitados. E aí, tudo fica vira passado, mas nós trazemos aquilo conosco, e também deixamos um pedaço de nós para trás.

Em Unravel, essa metáfora aparece de forma sublime, quase simples, mas também vem carregada de sentido. Ela vem na forma de um boneco de lã, caído da cesta de uma senhorinha, e que se transforma em Yarny, o personagem que controlamos ao longo de uma aventura cheia de puzzles, memórias e acontecimento. É uma jornada de uma vida inteira, condensada em dez fases de enigmas baseados em física.

É, também, a realização do sonho do diretor Martin Sahlin e do pequeno grupo que forma a desenvolvedora Coldwood Interactive. Demonstrando o nervosismo característico de qualquer pessoa que divide o palco de um evento mundial com Pelé e nomes como FIFA e Star Wars Battlefront, todos saíram do interior da Suécia para ganhar os palcos e as atenções do mundo com um título que desafiava as regras de um evento grandioso como a E3.

Somos todos Yarny

Unravel

Unravel é uma história de superação, encontros, perdas, sofrimento, vitórias, abandono e nostalgia. É a vida de Sahlin, a minha e também a sua. Contada completamente sem palavras, pois nesse mundo, todos somos iguais, por mais que tentemos ser diferentes. Qualquer pessoa segue aprendendo com as dificuldades e usando nada mais do a própria força e experiência para enfrentar os desafios e seguir adiante.

Unravel terá um significado diferente para cada um, mas abraça e emociona a todos por igual.

Isso se traduz em uma jogabilidade incrivelmente apurada, com tutoriais e indicações visuais apenas nos primeiros minutos, para que o jogador saiba quais botões deve apertar. Depois, são apresentados os desafios. Cabe a cada um entender exatamente como tudo funciona e também a melhor forma de seguir.

Alguns enigmas possuem mais de uma solução, e em diversos momentos, o jogador também se verá caçando segredos e explorando alternativas diferentes. Em absolutamente todos, entretanto, é preciso ser eficiente, uma vez que o fio que Yarny deixa para trás ao longo de toda a aventura sai de seu próprio corpo, serve para criar pontes, trampolins ou escalar paredes altas, e é bem limitado.

Unravel

Ao contrário da vida, entretanto, Unravel foi desenvolvido para ser uma viagem tranquila, com seus momentos turbulentos, sim, mas facilmente resolvidos com um pouco de calma. Yarny enfrenta inundações, animais selvagens e até maquinários defeituosos, mas esses desafios dificilmente vão deixar o jogador travado por muito tempo. Ao longo de todo o título, temos um bom equilíbrio entre dificuldade e facilidade – um jogo simples, não demais, mas também nada complexo.

Isso acontece pois o foco, aqui, é a contemplação. A aventura de Yarny acontece em um dos visuais mais belos da atual geração de plataformas. Os cenários refletem paisagens do interior da Suécia, com cada fase contendo um tema. As áreas externas aparecem em abundância, e muitas vezes, a impressão que fica é se estar vendo uma pintura ou fotografia, e não visuais renderizados em um console.

Unravel

A história também é contada sem palavras ou diálogos, apenas por meio de imagens e fotografias, habilitadas em um álbum de lembranças que vai sendo formado na medida em que o jogador completa as fases. A cada cenário, entendemos a viagem que Yarny está encarando, e elementos visuais como iluminação, música, quantidade de desafios e inimigos dão o tom se aquela é uma lembrança boa e colorida, ou um momento difícil e sombrio.

É uma história de superação, encontros, perdas, sofrimento, vitórias, abandono e nostalgia. É a minha vida e também a sua.

Isso, entretanto, abre margem para essa que é uma das únicas falhas de Unravel. Durante os processos de tentativa e erro ou exploração das fases, toca ao fundo uma trilha sonora muito bem composta, mas extremamente repetitiva. Aos moldes dos jogos clássicos, temos faixas curtas em loop, e muitas vezes, a sucessão ininterrupta dos mesmos temas pode incomodar.

Mas esse é o único problema na apresentação de uma história completamente aberta a interpretações. Para alguns, pode fazer falta a presença de um enredo mais conclusivo ou com mais elementos, mas Unravel não se propõe a ser assim. Como já dito, a história contada não é necessariamente a de Yarny ou a da senhorinha do início, mas a de qualquer um de nós.

Você pode não morar no interior da Suécia, nem desbravar matas ou montanhas verdejantes durante sua vida. Mas, com certeza, vai enfrentar suas correntezas, avalanches e escalar com as próprias mãos alguns montes inclinados, mesmo que apenas de forma metafórica. E, como Yarny, no final das contas, você não terá ninguém para contar a não ser você mesmo.

Unravel

Logo no começo de Unravel, a Coldwood Interactive agradece aos jogadores pelo suporte, agora que estão diante de uma obra que levou mais de dois anos para ser concluída, e que fala diretamente do coração de cada um dos envolvidos. “Façam com ela o que quiserem”, continua a mensagem. E e exatamente essa a essência do título, um jogo que terá um significado diferente para cada um, mas que abraça e emociona a todos por igual.

Unravel foi analisado no PlayStation 4, em cópia cedida pela Warner.