Um mundo sem leis, ordem nem rumo pode trazer à tona o que há de pior nas pessoas. Se não existem mais amarras sociais nem leis, aquilo que é mais íntimo acaba aflorando, em meio ao isolamento de cidades devastadas e tomadas por uma forte nevasca. O mundo evoluiu, mas involuiu, também, em velocidade assustadora, com a tecnologia e as máquinas, agora, sendo transformadas em instrumentos de matança.
O Velho Oeste se tornou real de novo, mas agora é frio e gelado. O título deste jogo, Wasteland 3, indica claramente no que o mundo se tornou, um lugar onde há pouco que se aproveite e o pior existe em abundância. Mas, que fique claro, estamos falando dos habitantes desse universo, e não do game em si, mais um grande exemplar do gênero de estratégia em um ano muito fértil para o estilo.
Em uma primeira olhada, seria muito fácil olhar o game da inXile e o taxar como mais um a beber na fonte da série XCOM. Falar isso passa perto da verdade, afinal de contas, o clássico da estratégia é a grande inspiração de praticamente tudo o que saiu do estilo nos últimos anos, mas ao mesmo tempo, também seria deixar de lado a parte mais interessante de toda essa história, em um game que chama a atenção não por sua jogabilidade, mas por seu universo.
As pequenas bolhas de povoação e loucura visitadas pelos personagens ao longo das dezenas de horas de combate trazem consigo o ensejo e a personalidade de um mundo largado. Entre robôs animais, bichos reais usados como armas ou portadores de explosivos e cultos religiosos ou que louvam figuras políticas como Ronald Reagan, vemos bem de perto o que a falta de controle e amarras pode gerar em termos de loucura. E ainda somos obrigados a participar disso.
A história e o universo de Wasteland 3 acabam sendo o maior atrativo do título, sendo bons o suficiente para nos levar adiante mesmo quando as mecânicas não se mostram tão legais assim.
Wasteland 3 passa a clara sensação de que toda decisão traz consequências, desde aquelas que alteram o rumo da história, como o trabalho no alinhamento com uma facção colocando os personagens centrais contra outra, até pequenas escolhas. Logo no começo, podemos deixar uma mercenária viver para salvar um aliado, mas adiante, ela pode nos armas uma emboscada ou estar ao lado de um grupo que não quer ver o jogador vivo.
Tais elementos permeiam toda a experiência e adicionam peso a cada diálogo ou ato, principalmente, e novamente, quando se leva em conta que estamos lidando com malucos. São elementos de maior ou menor grau que, entretanto, não se aplicam à dinâmica entre os dois protagonistas em si, principalmente diante de uma história pregressa dada a eles caso o jogador escolha aqueles pré-prontos, disponíveis no início do game.
São relações entre pai e filho, amantes ou outros laços afetivos que não levam a absolutamente nada dentro da própria história, enquanto lidamos com as engrenagens de um mundo destruído e intrigante, também, do ponto de vista visual. Por mais que jogos de estratégia tendam a não atentar aos detalhes, este não é o caso aqui, com os cenários e elementos passando a personalidade de cada facção e, com isso, ajudando a levar a história e todo o mundo para a frente.
Adicione a tudo isso, ainda, o caráter de RPG do título, que traz ares dos bons tempos de Fallout e torna as decisões relacionadas a classes, evolução e atitudes dos heróis ainda mais profunda. A ideia é que, da mesma forma que o mundo vai sendo moldado pelos atos dos Rangers, eles também vão sendo modificados pelo que fazem e encontram por aí, em um ciclo que, novamente, aumenta o envolvimento do jogador e ajuda a dar fôlego a um tempo de jogo que, se não fosse por tudo isso, resultaria em um título enfadonho.
O cuidado e a profundidade, porém, não se aplicam no mesmo grau à jogabilidade de Wasteland 3. Ainda que ela seja consistente e traga como principal destaque os turnos em que todo o time ataca de uma só vez, criando novas ameaças e possibilidades de estratégia, faltou trabalho na interface, que não é das mais amigáveis.
Em um jogo nada favorável à tentativa e erro, em que times inteiros de Rangers podem ser avassalados por um turno jogado errado, não saber exatamente o que se está fazendo é um bocado problemático. A jogabilidade já complexa ganha contornos mais difíceis com a ausência de uma localização para o português, que pode acabar afastando muita gente de um expoente bastante interessante de um gênero que, normalmente, não recebe muito amor.
Porém, merecia. Wasteland 3 é o exemplar mais trabalhado de sua franquia, com a acessibilidade proporcionada pela presença em serviços como o Game Pass o tornando, também, uma porta de entrada de qualidade para muitos jogadores. O universo é o maior atrativo aqui, e por mais que as mecânicas nem sempre acompanhem as mudanças desse mundo sempre em movimento, o interesse gerado é grande o bastante para que o jogador siga adiante, apesar delas.
O jogo foi testado no PC, em cópia cedida pela Deep Silver.