Windbound

Windbound

por Ulisses Lopes da Silva

Uma breve história da humanidade

Depois de 10 anos consolidada, a indústria de games independentes mostra certos padrões que apontamos cada vez que surgem. Agora, vamos falar de títulos que somam referências mil de “um jogo exclusivo de console saindo para todas as plataformas”. Porém, Windbound não é só um The Legend of Zelda: Breath of Wild além-Switch, mas uma aventura interessante com muitos recursos originais. Este ótimo título, na verdade, é uma soma de tudo o que está em voga atualmente.

Não vamos citar muitas referências e inspirações, desde a personagem até o tema do jogo, mas vamos falar do quão maravilhoso é o resultado da soma desses fatores, que te cativa pela liberdade de ações e planejamento em um ambiente hostil que remonta à história da própria humanidade. O ambiente selvagem e o mar aparecem como os grandes e primeiros obstáculos em uma pré-história retratada de forma magnífica.

Tudo começa quando a jovem Kara estava navegando, por algum motivo ainda não revelado, e teve sua embarcação agredida por um tentáculo imenso. Ao afundar no mar e esperar pelo eterno descanso, desperta em uma enseada, em frente a um grande portal de luz que a insere em um mundo cheio de arquipélagos, com altares que reagem ao seu pingente.

O único modo de sair deste lugar é ativar esses dispositivos de tempos remotos, mas ao fazer isso, se descobre que Kara está dentro de um ritual de superação religioso do Deus do Mar e precisa refazer os rituais representados nos murais, ou quase isso, pois parece que uma imensa lula de espécie Argonauta escolheu esta garota para uma missão.

A primeira coisa a se notar em Windbound é que se trata de um jogo muito bonito! A equipe acertou nos bons gráficos, sem extravagâncias visuais que causassem excesso de informação, com sábias decisões do diretor de arte. Temos detalhes interessantes e um design clean, com uma personagem legal e carismática, apesar de não falar nada.

Com gráficos lindos, ambiente hostil bem verossímil e atividades divertidas e variadas, Windbound tem tudo para criar uma legião de fãs.

Claro que ela poderia se expressar mais sonoramente além dos gemidos de dor, com grunhidos ou sustos, que não são poucos, pois a apresentação de novos inimigos e desafios tem um quê de vida real. Para quem já desbravou um espaço selvagem, mesmo que nos fundos de casa ou no sítio da avó, com aqueles mini-encontros selvagens e situações de terreno acidentado que você precisa passar, sabe do que estamos falando.

Somando a situação de exploração básica com a de desbravamento, Windbound coloca o jogador na pele de uma exploradora de ilhas selvagens que precisa de recursos naturais para lidar com todo o meio ambiente e ainda construir sua embarcação para sair dali. Claro que o jogo não seria tão interessante se fosse tão simples assim, pois existem o medidor de danos e de cansaço, que é atribuído à fome e à fadiga em correr e lutar, que pode ser dividido em combate ou furtividade contra oponentes que você não sabe se está apto a enfrentar. Quem jogar sentirá na pele o lema “um dia da caça, outro do caçador” e perceberá quando, de predador, virou presa.

Se formos resumir as ações do jogo, podemos classificar como navegação, obtenção de recursos mais evoluídos e sobrevivência, o que inclui não morrer de fome ou ataque de animais. Cada uma dessas características esconde o real poder de Kara, o de manufatura (ou crafting).

Windbound é um jogo sobre construir memórias de uma aventura que remonta não só à humanidade, mas às histórias pessoais que o jogador cria das situações que vive.

Relembrando a evolução das civilizações antigas, que desenvolveram tecnologias que fizeram a humanidade se espalhar pelo mundo, vamos viver na pele os problemas que eles sentiram, em menor escala. A ideia é reproduzir o que era ter que se programar e se virar para não morrer de fome, atacado ou envenenado por simplesmente estar procurando cerejas, pedras e capim para fazer uma fogueira.

Se o poder de Kara é construir coisas, então a busca primária é a por recursos, e este é um dos fatores de vício do game. A cada item novo descoberto, com seu habitat bem elaborado mesmo em espaços pequenos, um mundo de possibilidades se abre, com novas receitas de armas, ferramentas, melhorias para armazenar itens, barcos e claro, evolução.É incrível o trabalho de level design, que em mapas menores, utiliza bem os espaços e permite muita liberdade de ação, com seus riscos, pois Kara tem limitações humanas e uma queda pode ser fatal, seja na água ou na terra.

Falemos agora da navegação, um universo complementar de Windbound que aparentemente deveria ser o principal, mas felizmente tem o mesmo peso que os outros fatores do jogo, que se fundem a ponto de podermos inserir recursos da terra no barco, fator que se revelará no decorrer do jogo. Ao avançar para ambientes mais hostis, temos águas mais violentas, seja pela maré ou pelos animais marinhos que nos atacam, e é importante lembrar que o barco tem barra de energia, também. Movê-lo é bem simples, e isso é ótimo, pois as marés são impressionantemente realistas, desde as ondas até os ventos que podem tanto ajudar quanto atrapalhar, dependendo de como você evoluiu a embarcação.

Quão maravilhoso é o resultado da soma de todos os fatores de um jogo que te cativa pela liberdade de ações e planejamento em um ambiente hostil que remonta à história da própria humanidade.

Os barcos mais simples de capim e bambu, por exemplo, têm uma resistência mediana, mas não permitem carregar muitas coisas, sendo ágeis e podendo ser aperfeiçoados. Já uma embarcação grande demais inviabiliza sua rota entre as pedras, te obrigando a fazer o caminho mais longo, consumindo a barra de fome, mas você não abrirá mão dos seus preciosos recursos que não cabem no menor. Vale lembrar que a ganância cobra seu preço, mesmo disfarçada de necessidade de sobrevivência.

Windbound é um jogo sobre construir memórias de uma aventura que remonta não só à humanidade, mas às histórias pessoais que o jogador cria das situações que vive no jogo. Ao passar dos dias, você se lembrará que precisa de tais recursos para alcançar uma ferramenta nova ou melhorias de uma arma para derrubar inimigos maiores, alguns bem irritantes, inclusive. O loot é honesto, e por isso, o jogador se arrisca a enfrentar animais gigantes com comportamentos bem similares aos animais do mundo real; quem assistiu Planeta Terra e Animal Planet terá vantagem.

Pássaros fazem falta no jogo, pois para quem navega, a companhia de gaivotas no mar seria interessante, visto que as árvores são importantes, seja como fonte de fungos, madeira e até abrigo de um ataque de animal chifrudo, podendo entregar uma vitória por um fio. Existem duas formas de combater, o modo de ataque livre e corrida ou a postura de combate, com esquiva e ataque preciso, que requer habilidades. Claro que sempre se pode atirar pedras ou flechas de cima das rochas, mas todo terreno traz um risco, e às vezes, morrer em uma queda pode te ensinar como é fugir destrambelhadamente pela floresta.

Existem alguns bugs que surgem raramente, quando se tenta passar por lugares complicados, e às vezes, o inimigo derrotado atravessa as paredes, deixando o loot para dentro e desperdiçando seu esforço. Inimigos, de vez em quando, travam no ar, mas para um indie complexo como esse, é um detalhe mínimo que não prejudica a experiência.

Em Windbound, o desafio parece repetitivo, mas a ideia de ir apresentando novos desafios, recursos e habilidades de crafting tornou o jogo muito divertido e variado, sem falar do seu potencial educativo de mostrar como a humanidade se virava com os recursos naturais e seguimos do nó em grama para tacar pedras até o cozimento de animais, barro e fundição de metais, de forma divertida.

Com gráficos lindos, ambiente hostil bem verossímil e atividades divertidas e variadas, Windbound tem tudo para criar uma legião de fãs que ansiavam por uma experiência que fosse além de Breath of the Wild. É um jogo de sobrevivência que soma coisas boas de títulos famosos, com muito espaço para uma expansão e que todos podem apreciar, pois está disponível para todos os consoles atuais.

Pode soar clichê, mas experimente embarcar nesta aventura e descobrir se você sobreviveria no mundo antigo, enfrentando o mar, animais e a sua própria ganância em manter suas matérias-primas por perto e decidir o que deixar para trás. As missões completadas não são mais acessíveis, por isso, cabe sabedoria para não terminar como começou, caído numa praia em que nada mais importa.

O jogo foi testado no PC, em cópia cedida pela Deep Silver.