Com uma infinidade de tarefas e entretenimento ao nosso alcance, quem hoje em dia ainda tem tempo ou vontade de passar uma tarde inteira fazendo a mesma coisa? Em nossa época, esse tipo de comportamento é extremamente raro, seja por afazeres como adultos ou pelo interesse cada vez mais amplo e variado.
No entanto, existem aqueles que muito gostariam de voltar a um tempo mais simples, sem tantas responsabilidades, aplicativos e gadgets clamando por nossa atenção, onde horas em frente a uma TV de tubo e um controle de design duvidoso nas mãos eram o suficiente para nos manter entretido. Foi exatamente nesse último aspecto que se apoiou uma campanha de financiamento coletivo que arrecadou mais de R$ 8 milhões. Cerca de dois anos de desenvolvimento depois, a Playtronic nos entrega o simpático Yooka-Laylee. Convido todos a se perguntarem até onde a nostalgia realmente vale esse tipo de esforço.
Yooka, o camaleão de personalidade equilibrada, e Laylee, a morcega hiperativa, formam a dupla de protagonistas do jogo. Um belo dia, em sua ensolarada praia particular, testemunham um valioso livro de sua coleção sair voando pelos ares, sendo sugado por um gigantesco “aspirador” localizado em uma montanha ao longe. Sem pensar duas vezes, eles partem em busca do tomo de paginas douradas que, segundo eles mesmos, é muito valioso.
Capital B (“Bee”, de abelha) é o antagonista e dono da empresa Hivory Tower, responsável pelo roubo de todos os livros do mundo, para assim se tornar a única companhia do ramo e dominar o mercado. Claro que isso é apenas a ponta do iceberg de um plano muito mais mirabolante para a dominação mundial, e, quem sabe, até de todo o universo.
Yooka-Laylee é exatamente o que foi prometido, um jogo nos moldes dos antigos plataformas 3D da Rare, exceto na parte onde a ideia era atualizar o gênero.
Recheando a trama, uma dezena de personagens tão estranhos quando carismáticos, no melhor estilo das animações da Pixar. Dr. Puzz é uma jovem meio humana, meio polvo, com um aquário na cabeça. Dr. Quack, um pato cientista dentro de uma máquina de vender chicletes (!!!). Trowzer, o mais inacreditavelmente genial de todos, é uma cobra de bermudas! Tente desenhar algo do tipo e falhe miseravelmente…
Com toda a carga nostálgica que lhe cabe, Yooka-Laylee é um jogo de coletar coisas, sejam paginas de livrosou penas, e usar habilidades para explorar os diversos mapas e dungeons que vão se tornando disponíveis conforme se avança. Quanto mais itens coletados, mais habilidades podem ser adquiridas, e quanto mais delas, mais partes do mapa ficam acessíveis. Quanto maior o espaço para explorar, mais itens são encontrados e assim sucessivamente, no clássico gênero conhecido como collect-a-thon.
A frase acima é a melhor forma de descrever a jogabilidade, herança do apego e inspiração em jogos do passado como Banjo-Kazooie, que se valiam do estilo padrão disponível na época para games de plataforma em 3D. Não por acaso, Yooka-Laylee foi proposto no Kickstarter como um sucessor espiritual dos famosos jogos da desenvolvedora Rare, contando especificamente com nomes que trabalharam originalmente nesses jogos antigos e quem trariam toda sua experiencia a fim de atualizar o gênero. A ideia era fazer este título digno do mesmo sucesso dos de outrora, inclusive em sua soberba trilha sonora – mas isso só é verdade em relação as musicas.
Descobrir que o que satisfazia antigamente, hoje, já não nos completa, e, ainda por cima, frustra, pode ser uma experiencia extremamente penosa e desgastante.
A beleza dos cenários é incontestável, mas o mesmo não se pode dizer do level design. A exploração é extremamente cansativa e pouco intuitiva, e esse problema se acentua ainda mais quando é possível, ao coletar paginas de livros, ampliar ainda mais as partes exploráveis, tornando tudo ainda mais confuso e pouco inspirado. Acrescente aqui uma jogabilidade datada e uma câmera muito aquém do que se espera em um jogo do gênero e você logo enjoa do loop de jogabilidade.
Jesse Sukunda, Blake Swift, Becky Wolf e Chris Sutherland são alguns dos nomes dos atores profissionais que emprestaram suas vozes para os personagens de Yooka-Laylee. Destaque para o último, que dubla os dois protagonistas, e a maioria deve se lembrar de seu trabalho como o icônico narrador da série Killer Instinct. Dito isso, questiono onde foi parar o talento desses atores no jogo em questão, uma vez que, aqui, temos apenas uma cacofonia de “murmúrios” e “gemidos” sem sentido nenhum, que não refletem em nada as emoções dos personagens.
Tal forma de representar diálogos em jogos, característica marcante do gênero no passado, se dava mais por questões de capacidade técnica do hardware do que por alguma ideologia artística. Mais um aspecto do jogo sendo depreciado pelo simples motivo de manter a experiencia como a de outrora, ou uma economia de recursos disfarçada de nostalgia.
A nostalgia, sendo o mais clichê possível, é uma faca de dois gumes. Ao mesmo tempo em que ela nos transporta para uma época mais simples, aquecendo nossos corações a principio, ela também nos lembra que evoluímos, adquirimos conhecimento e, consequentemente, novas referencias. Descobrir que o que nos satisfazia antigamente, hoje, já não nos completa, e, ainda por cima, nos frustra, pode ser uma experiencia extremamente penosa e desgastante.
Yooka-Laylee é exatamente o que foi prometido em sua campanha no Kickstarter, um jogo nos moldes dos antigos plataformas 3D da Rare, exceto na parte onde a ideia era atualizar o gênero. Se o parâmetro de avaliação aqui fosse o final da década de 1990, o game da Playtonic beiraria a perfeição, mas, diante do mercado atual, das convenções de game design e jogos como Sly Cooper e o recente Ratchet & Clank, é difícil não dizer que temos uma experiencia insatisfatória.
O jogo foi analisado no PlayStation 4, em cópia cedida pela Playtronic.