O mundo está completamente dominado por zumbis, alguns armados com submetralhadoras ou carregando lança-chamas nas costas. Mas o pior já passou, pois a origem de todos os males foi enviada por frete expresso de volta para o inferno. Hitler, que em um esforço desesperado para não perder a guerra resolveu contar com uma ajudinha dos mortos, está no submundo e, agora, o que restou da humanidade luta para acabar com o que restou.
É quase como se matar nazistas usando tiros precisos em locais abaixo da linha do Equador já não fosse o bastante para a Rebellion, que decidiu aplicar uma bela dose de loucura à fórmula. E em Zombie Army 4: Dead War, a empresa continua a saga tresloucada do spin-off da série Sniper Elite que é quase tão bem-sucedido quanto a própria franquia, apesar do foco bem diferente dado enquanto aproveita a mesma mecânica (ou nem tanto assim).
São títulos bem diferentes em sua essência, mas que não escapam das comparações, justamente, por serem filhos de uma mesma proposta. E enquanto a franquia Sniper Elite foca no posicionamento, pensamento e realismo para levar uma bala ao meio da testa dos nazistas, suas contrapartes zumbis exigem bem menos da cabeça do jogador e muito mais do dedo que, no controle, comanda o pressionamento dos gatilhos.
É como a diferença entre um grande épico sobre a Segunda Guerra Mundial e um filme trash que retrata o mesmo período. E essa é uma comparação que serve tanto para enaltecer um game como Zombie Army 4: Dead War quanto para evidenciar seus problemas e, principalmente, o pouco aproveitamento de suas propostas malucas e sua jogabilidade altamente interessante.
O que o jogador percebe logo nos primeiros momentos de Zombie Army 4: Dead War é que de Sniper Elite, em sua essência, o game carrega muito pouco. As mecânicas são as mesmas e as armas também, assim como a eficiência de disparos que acertem a cabeça ou outros órgãos vitais para acabar com os oponentes com um único tiro. Mas a verdade é que você vai “snipar” muito pouco.
Uma experiência satisfatória e divertida, apesar de repetitiva. Um pensamento mais dedicado para uma série que cada vez mais assume posição de destaque não seria nada mal.
Com um progresso sequencial de tela em tela e desafios que, muitas vezes, lembram games com o famoso modo horda, há pouco espaço para disparos certeiros e um bom posicionamento e muito mais para o tiroteio desenfreado. E uma das primeiras ações a serem tomadas já em uma das cenas de ação iniciais é desativar o visor do rifle de franco-atirador para o usar com a mira normal, vista em terceira pessoa e com personagem na tela.
A Rebellion tenta contrabalancear isso em momentos específicos do game, colocando inimigos que também usam rifles de franco-atirador, por exemplo, ou por meio de chefes de fase que aparecem longe da posição do jogador, que pode ter uma vantagem se atirar neles à distância. Na maioria do tempo, porém, não há muito espaço para disparos certeiros nem bem pensados.
Isso se deve a diferentes abordagens da mecânica de Zombie Army 4, a começar pela quantidade de oponentes. Para um fã de histórias apocalípticas que envolvem zumbis, é de encher os olhos a imagem de algumas centenas deles na tela e a posse de munição o bastante para derrubar todos eles, bem como gadgets de armadilha e barris explosivos espalhados pelos cenários. O jogador pode até buscar um posicionamento adequado e preparar armadilhas previamente, mas basta o primeiro disparo para que absolutamente todos descubram sua posição.
As fases acabam se tornando uma correria de disparos incessantes, com a única estratégia envolvida sendo o olhar para evitar que o zumbi mais próximo alcance o personagem. O uso das já citadas armadilhas torna as coisas um pouco mais interessantes, assim como o posicionamento de minas terrestres, mas na esmagadora maioria do tempo, apenas o dedo no gatilho resolve, e os mortos-vivos convencionais não são lá tão resistentes, apesar de machucarem bastante o usuário quando o alcançam.
Fortalece essa noção os desafios repetitivos do game, que na esmagadora maioria dos casos, envolvem limpar áreas. Seja para livrar um ambiente da ameaça morta-viva, destruir um selo de sangue ou simplesmente avançar até a próxima tela, Zombie Army 4 não desafia nem dá incentivos para que o jogador se sinta ameaçado. Há munição à vontade e, na maioria das áreas em que hordas atacam, caixas convenientemente posicionadas deixam bem claro que aquela não é uma preocupação que o jogador deve ter.
Até mesmo os poucos momentos em que os objetivos são um pouco diferentes acabam sofrendo da mesma monotonia. Logo em uma das fases iniciais, por exemplo, o personagem deve proteger o mecanismo de uma ponte levadiça do ataque de zumbis que simplesmente decidiram que iam destruir o dispositivo, em vez de irem almoçar.
Entretanto, caso eles consigam fazer isso, a missão não falha, muito pelo contrário — o aparato funciona muito bem como isca, servindo como ponto de posicionamento de armadilhas. Caso o mecanismo seja atingido, basta matar todo mundo e o consertar novamente, seguindo normalmente na missão como se ela fosse mais uma das infindáveis hordas que o jogador encontrará ao longo da aventura.
Chega a ser impressionante que um game tão direto ao ponto e com objetivos reprisados o tempo todo tenha uma interface tão bagunçada e cheia de elementos. Nos momentos iniciais, principalmente, a quantidade de tutoriais e indicadores chega a incomodar, e mesmo depois que o jogador se acostuma, os elementos de tela continuam entrando no caminho, enquanto a tela é tomada por hordas de zumbis que atacam por todos os lados.
Mesmo a história maluca, com toques interessantes e até personagens que poderiam chamar a atenção, é deixada meio de lado em prol do tiroteio. Coadjuvantes com personalidade servem apenas como escada para mais zumbis e balas e isso vale mesmo na medida em que o ensejo vai se tornando mais e mais surreal. O jeito é se deixar levar e, claro, manter o dedo no gatilho.
Por outro lado, a Rebellion mostra sua experiência ao fazer um bom aproveitamento dessas características e entregar um título que é bem-sucedido onde a maioria erra. Zombie Army 4: Dead War, como os próprios desenvolvedores já dizem, é um game que funciona muito melhor no modo cooperativo, que permite a união de até quatro jogadores na matança morta-viva. Mas, no mesmo sentido, ele também é muito bom quando jogado sozinho.
O que fica claro logo nos primeiros momentos de Zombie Army 4 é que de Sniper Elite, em sua essência, o game carrega pouco. Você vai atirar muito e matar demais, mas quase não usará a mira telescópica.
Não se trata do famoso “possível de ser jogado”, como a maioria das propostas do tipo prometem mas dificilmente entregam, mas sim, apresentando uma boa experiência. Isso se deve a uma série de fatores que vão desde os sistemas de customização de personagens e diferentes tipos de armamentos até o fato de existirem opções que personalizam a experiência de acordo com o número de soldados presentes no campo de batalha.
É possível, por exemplo, criar condições para que as fases possam ser transpostas por um jogador de forma separada da dificuldade em si, diferenciando número de oponentes do desafio imposto por eles. Da mesma maneira, quem quiser passar sufoco pode colocar tudo no máximo e enfrentar de forma solitária hordas feitas para um time de quatro, ou vice-versa, tornando a experiência mais amigável na jogatina online criando partidas mais velozes e dinâmicas com uma menor contagem de zumbis.
Heróis com diferentes características também fazem parte do pacote, com o principal ponto de divisão entre eles sendo os ataques especiais disponíveis para cada um. É claro, na maior parte do tempo, o que diferencia personagem vivo de protagonista morto é a quantidade de disparos acertados, mas poderes únicos podem dar aquela ajuda nos momentos de maior desespero ou, ainda, permitir a combinação de habilidade para trazer um mínimo de estratégia a um game que nem mesmo exige isso.
Chama a atenção, ainda, a sensação de peso das armas e os disparos consistentes, que contrastam com uma movimentação mecânica e pouco precisa para os protagonistas. Os disparos são satisfatórios e as animações de raio-x, que mostram os danos internos aos órgãos podres dos zumbis, surgem como uma surpresa sempre divertida e, também, moderada — afinal de contas, com tanto monstro para matar, seria péssimo se a víssemos a cada tiro bem dado.
Com quatro games no currículo e uma larga experiência com games desse tipo, fica claro que a Rebellion sabe o que está fazendo, mas ao mesmo tempo, ainda tem dificuldades em dar personalidade para a franquia. Zombie Army 4: Dead War carrega muitos cacoetes de Sniper Elite sem que eles sejam efetivamente necessários aqui, enquanto deixa de contar com elementos que efetivamente o tornariam único e ainda mais divertido.
Temos, sim, uma experiência satisfatória e divertida, apesar de repetitiva e que, muitas vezes, passa aquela impressão ruim de fases “que não acabam nunca”. Um pensamento mais dedicado para uma série que cada vez mais assume posição de destaque não seria nada mal, em vez de continuar tentando encaixar uma peça quadrada em uma forma com bordas arredondadas. Ela até cabe, mas não encaixa.
O jogo foi testado no PS4, em cópia cedida pela Rebellion. Este review também foi publicado no Canaltech.