Acabou no dia 2 de julho a edição 2017 do Brazil Independet Games Festival, ou BIG, para encurtar. O foco desta 5ª edição foi um pouco diferente da anterior devido aos jogos escolhidos para concorrerem aos prêmios, que iam desde o melhor game educativo ou de impacto social até o mais criativo em narrativa, incluindo o já esperado “melhor jogo”. Muitos possuíam algo em comum: os puzzles.
Ou o jogo era um puzzle pleno, ou simulador de encontros com puzzles ou adventure com puzzles. Puzzles dinâmicos, puzzles lentos, puzzles em realidade virtual, todo mundo estava quebrando a cabeça no BIG Festival, desde rotacionando pirâmides em 3D até hélices de moinhos de vento que espalham veneno em um mundo em que as plantas são trompetes. Parece muito exótico? Você ainda não viu nada.
Política e educação de forma divertida
Além dos puzzles, tivemos muitos jogos onde não havia confronto direto, com um teror mais ideológico que me fez considerá-los “jogos pra adulto” – não por segregação de público, mas sim, devido aos temas. É o caso do pesado game russo (quem mais, né?) Beholder, onde você é inserido no universo do livro “1984”, de George Orwell, como um zelador escolhido pelo governo para observar a conduta de moradores de um condomínio comum, mas que abriga todo tipo de gente. Apesar de receber ordens, você decide viver como um apoiador do povo ou do governo. Sim, você pode ser um traíra ou ainda um agente duplo!
Mas o mais divertido é que você realmente terá que agir como um zelador e consertar o que for preciso, ser atencioso com os moradores de variados tipos de humor e, como você mudou-se com toda a família pra não despertar suspeitas, não se surpreenda se um condômino drogado te chantagear ou ameaçar matar um dos seus filhos. Sim, o jogo é pesado no tema e nem sempre é possível ser honesto ou um fiel seguidor das regras do governo totalitário.
No Brasileiro Leis Para Todos, você entra na pele de um político brasileiro chamado Alberto Colina e precisa agir como tal para não acabar sendo preso em seu escritório oficial. É uma ótima forma de aprender sobre política e quais são as funções de um deputado federal, que apesar de ser honesto, vai trombar com gente corrupta. Você precisa contar com aliados da imprensa e direito pra salvar sua pele no título feito pelo Supernova Games.
Outro game inovador, agora focado em gestão e economia, é o Lucro S/A, com um sistema de gerenciamento de empresa com necessidades reais que qualquer empreendedor ou contador vai enfrentar pela frente. Criado pela faculdade Feevale para ajudar os alunos, é um ótimo meio de aprender sobre gestão e organização financeira. Serve para qualquer um que precisa sair do vermelho na conta bancária e não cair nunca mais.
Gráficos maravilhosos em destaque
Falando agora dos games mais bonitos do evento, temos o brasileiríssimo e campeão de duas modalidades – Melhor Jogo Brasileiro e Melhor Jogo Voto Popular. Distortions vem nos mostrar que nossos estúdios podem fazer um game bonito e interessante como um Triple A do exterior. Aqui você controla uma menina que possui como arma um… violino. Com as notas certas, ela consegue reconstruir passagens, enfrentar inimigos, resolver puzzles e tudo que for possível para sair de cavernas assustadoras ou escapar de monstros bizarros que mais parecem ter saído de um pesadelo. Já os gráficos são mais do que bem feitos, imersivos, e, apesar das falhinhas aqui e acolá de animação, é um jogo que vale a pena a experiência.
Apesar de Distortions ser ambientando num ambiente surreal, o prêmio “melhor viagem de LSD” (categoria que eu sugeri no BIG mas me ignoraram 🙁 ) fica com o maravilhoso Figment, vencedor de Melhor Narrativa, e não é a toa. No título, você controla um marmanjo que tem uma aparência estranha, de gato com cachecol, usando sua espada para enfrentar os inimigos mais esquisitos e sempre acompanhado da sua fada (?), que parece um beija-flor exótico. Eles batem altos papos, às vezes sobre algo que você possa ter deixado para trás ou palpites de funcionamento de geringonças.
Apesar de aparentar um simples jogo de ação com puzzles, a narrativa é bem incomum: o ambiente de Figment seria como estar dentro da cabeça de um cara que sofre de depressão e ansiedade, que aprecia música e relógios. Os ambientes mostrados na build do BIG eram repletos desses objetos, e claro, eles influenciavam na trilha sonora, que é maravilhosa e não repetitiva.
Outra coisa linda de se ver foi The Deadly Tower of Monsters , lançado em 2015, mas que mesmo assim deu as caras no BIG Festival 2017 e chamou muita atenção com seu gameplay ágil, lindos gráficos e toda gama de referências à cultura Sc-Fi antiga. Outro colírio para os olhos era o Shoot’em Up (jogo de navinha) brasileiro Esquadrão 51, feito por uma única pessoa, o brasileiro Márcio Rosa. Com ambientação de filme antigo, você controla um piloto da Segunda Guerra que enfrenta uma invasão alienígena. Não vai faltar ação, em um ou dois jogadores simultâneos.
Como último destaque vem um jogo tão bonito que desperta um sentimento de nostalgia na gente, o Old Man’s Journey, onde devemos guiar a viagem do velhinho carismático por paisagens 2D de tirar o fôlego, e que certamente fará muito marmanjo chorar abraçado ao joelho em cada situação de perda do personagem e principalmente, de esperança e superação.
A criatividade é a mãe dos indies
Mesmo os títulos que remetiam a gêneros já conhecidos sempre tinham um quê a mais e era exatamente na execução criativa que os indies encontraram o diferencial. Seja em um game casual de sobrevivência em masmorras, um sandbox de ação, um simulador de Encontros ou de plataforma multiplayer, todos mostravam que se pode ir um pouco além do que já foi mostrado e até mesclar elemento de outros títulos em estilos já consagrados.
Um ótimo exemplo é Overcooked, um jogo de culinária onde você entra na tensão dos programas do gênero e precisa atender aos pedidos que entram enquanto é atrapalhado pelos outros cozinheiros, pois todos dividem o mesmo espaço. Além do visual bonito e carismático, a briga pelos pratos e poucas bocas de fogão faz a disputa mais divertida. Destaque especial para o guaxinim cadeirante como personagem selecionável, inclusão social é isso aí!
Claro que outros jogos merecem o mesmo destaque que os aqui citados, mas estes foram os que mais me chamaram a atenção e que certamente têm potencial para se destacarem nos video games da atual geração, inspirando as grandes empresas da indústria, que pecam pela limitada criatividade e prazos apertados que se auto-impõem, capando a capacidade dos criativos. Já os indies podem até deixar a desejar pelos gráficos ou entregar um grande número de jogos com visual retrô, mas nunca pela repetitividade.
Um exemplo disso é o único game de luta, GUTS, com muito sangue e super golpes que desmembram os personagens, que continuam lutando, ou o jogo do 99 Vidas, baseado nos contos dos integrantes do podcast homônimo, um Beat’em Up igual a Final Fight ou Streets of Rage. Outro que merece destaque na categoria “mais do mesmo, mas divertido” é Legend of the Skyfish, onde você controla um garoto que possui uma vara-espada de pescar, usando-a tanto para resolver puzzles quanto atacar os inimigos. Divertido, colorido e com muitas fases, ideal para quem nunca se aventurou despreocupadamente em um game de ação 2D.
VR de todo tipo!
No centro do salão principal havia o espaço de realidade virtual, onde podíamos ver SuperHot VR ganhando destaque como um shooter muito divertido, mas perdendo espaço para outro jogo, um puzzle onde você encarnava um detetive num quarto escuro atrás de pistas. Além dos óculos, você segurava dois controles que simulavam mãos e era muito divertido ver as orientadoras salvando as pessoas de baterem contra as paredes do estande, sem conseguirem salvar a si próprias das investidas dos jogadores. Pobres garotas…
Apesar de o festival dar bastante espaço para esta nova tecnologia, pude perceber que ela será voltada aos gamers mais casuais, quase como uma atração de fliperama de shopping ou buffet infantil, visto que os mais hardcores preferem o modo tradicional de jogar, mesmo não sendo o personagem do jogo, o que contradiz a vontade do passado de sermos os heróis de nossas jornadas. Quem sabe essa tendência não mude com algum FPS famoso ou MMORPG VR?
Games para todos
Algo que se manteve da última edição para cá foi a constante presença de casais e pais com filhos e adultos de avançada idade, pra não dizer, vovós. Fato interessante foi ver que não existiam homens idosos jogando, só senhoras arriscavam seus primeiros tiros pixelados ou controlar uma menina de patins com uma Naginata nas mãos. Será o clássico fator primitivo que assolava a educação masculina?
Se for, é uma pena, pois ver as mães e avós ensinando os filhos a resolverem puzzles ou até indicando como se desvencilhar de bombas de fumaça venenosas com certa impaciência pareceu-me uma feliz situação onde seus pais viraram o player 2. Quando não jogam, ficam palpitando o melhor caminho aos pimpolhos.
Encerrada esta edição, já estou ansioso para a do ano que vem, na qual certamente teremos mais títulos maravilhosos, visto que estes eventos estão atraindo muita atenção internacional, e, principalmente estimulando a indústria de games do Brasil, que tem muitos profissionais e amadores dedicados. O que não nos falta é diversidade cultural, criatividade e, muito menos, mercado consumidor, visto que ainda estamos entre os cinco maiores consumidores no mundo. Agora, basta abrir mão dos jogos piratas e apoiar os criadores brasileiros, não por dó, e sim, pela real capacidade de nos trazerem grandes experiências de jogo enfrentando preconceitos, noites mal-dormidas e a síndrome de vira-lata que ainda nos persegue.
Para finalizar, fico feliz em informar que a maioria dos jogos independentes feitos no exterior já estavam traduzidos em português brasileiro.