Existe uma noção bastante real, entre os jogadores, de que alguns estilos do passado não são capazes de coexistir na indústria atual de games. Fora do segmento indie, gêneros como beat’em ups ou jogos de plataforma aparecem muito pouco, e quando surgem no portfólio das grandes empresas, soam mais como homenagens do que propostas efetivamente criadas para o mercado de hoje. E então a Microsoft resolveu levar Super Lucky’s Tale para a BGS 2017.
O game apareceu de forma modesta no estante da empresa no evento, ao lado de grandes nomes como o Xbox One X, todo-poderoso console da companhia, e outros blockbusters como Sea of Thieves, Dragon Ball FighterZ e Forza Motorsport 7. A presença era pequena, quase escondida, com apenas três estações de um jogo rodando ainda no PC. Quase um reflexo da atenção que ele vem recebendo desde seu anúncio, na E3 deste ano.
Uma das influências declaradas da produtora é Banjo-Kazooie, mas ao experimentar o título na BGS, me vi remetido aos tempos do dragãozinho Spyro. Deixando a realidade virtual do primeiro game de lado, somos apresentados em Super Lucky’s Tale a um mundo tridimensional, cheio de elementos, e acima de tudo, sem um caminho exatamente linear para ser seguido.
Não se engane, não estamos falando de um sandbox aqui, e a trama ainda segue uma estrutura de fases com inimigos comuns, desafios e chefes finais. Entretanto, estamos livres para explorá-lo e completar desafios da forma como preferirmos, no que poderia muito bem ser definido como um “mundo semi-aberto”. Os desafios estão ali dispostos, mas cabe ao jogador escolher como e em que ordem vai completá-los
Logo no início da demo, Lucky é desafiado por Master Mittens, um gato ninja que, apesar da própria aparência fofinha, desdenha das habilidades de combate do rival. Ele convoca a raposa para um combate, mas antes, diz que ele precisa completar uma série de desafios para chegar até ele.
Aí entramos no mundo do game e temos acesso a uma área inicial, na qual precisamos remontar robôs de pedra. São três deles, cujas cabeças estão espalhadas pelo cenário e devem ser carregadas até um ponto central, de forma a acordar uma versão maior e mais poderosa destas criaturas. Como dito, a ordem de ação é de total escolha do jogador, que pelo caminho, deverá enfrentar inimigos comuns e saltos sobre abismos.
A jornada de Lucky pelo passado
Bastam alguns segundos jogando para percebermos que estamos diante de um jogo extremamente vivo. Há muita coisa se mexendo pelo cenário, desde criaturas amistosas e insetos até os próprios inimigos, que ficam restritos a áreas específicas. Mas não há muito tempo para ficar olhando, já que a tela logo é invadida por bolas de fogo lançadas de totens inimigos, de forma a mostrar que, apesar da aparência colorida, o mundo aqui também é duro.
Felizmente, algumas artimanhas também estão à nossa disposição. Ataques com o rabo permitem destruir oponentes, enquanto as tradicionais habilidades de pulo duplo de jogos do gênero garantem aquele respiro extra no caso de um salto mal feito. Ainda, Lucky pode passear por baixo da terra, caso não esteja sobre pedra, e escapar marotamente de golpes dos oponentes.
O mundo vivo e Super Lucky’s Tale também tem o seu revés – às vezes, fica difícil diferenciar os amigos dos inimigos. Não serão raras as vezes que você vai atacar um bichinho inocente, e também aquelas em que morrerá diante de animaizinhos que pareciam inofensivos. Essa estranheza, com certeza, se dissipará com o tempo, mas no pouco tempo que tínhamos com o game, em meio a um evento gigantesco, diversos vacilos desse tipo aconteceram.
A variação de cenários também não deve perpetuar esse elemento negativo, pois uma vez que se entende o estilo de um título – e Super Lucky’s Tale tem um bem característico -, fica fácil diferenciar heróis de vilões. Na apresentação, já observamos uma verdejante área externa além da escuridão de uma masmorra, com mais ambientes disponíveis na versão final.
A demo termina com o combate contra o prórpio Master Mittens. E se ao longo de toda a experiência foi possível perceber as influências da Playful, é aqui que ela aparece de forma mais evidenciada, com acenos a títulos antigos e também propostas mais recentes do gênero. Bolas de fogo e inimigos se misturam a moedas e corações, em um combate que encerra a experiência e deixa a vontade de ver o game completo.
Isso claro, falando da minha experiência pessoal, um velho de guerra que é fã de games de plataforma, acompanhou a evolução do gênero e, acima de tudo, sente falta de coisas assim. Super Lucky’s Tale apresenta uma proposta interessante, mas uma reflexão anterior pode acabar deixando a triste noção de que ele fez pouco pelo gênero.
Isso se deve, principalmente, ao tom assumido. O título é claramente voltado para um público infantil, e não há nada de errado com isso, a não ser pelo fato de que ele parece ter sido criado para as crianças de 10 anos atrás. Como dito, a experiência remete bastante ao velho Spyro. Pode parecer uma memória viva para você, mas atenção: estamos falando de um game com quase 20 anos de idade.
Após jogar, permaneci por alguns minutos no estande da Microsoft para fazer anotações sobre o título e notei que muito mais adultos do que crianças se aproximavam das estações em que ele rodava. Repeti a observação todas as vezes que passei pelo local, e a imagem se repetiu. É justamente nesse aspecto que o tom acaba se tornando um problema, pois Super Lucky’s Tale pode acabar não apelando a ninguém.
Não me entendam mal, o jogo é ótimo. Vivo, bonito e divertido, Super Lucky’s Tale é mais uma daquelas propostas criativas e que fazem jus a seu espaço dentro do ecossistema da Microsoft. Mais do que isso, ao abandonar a realidade virtual, expande seu escopo, com uma bela ajuda do marketing realizado pela publicadora. Entretanto, não deve passar muito disso. A falha é que ele não parece apresentar o que os pequenos de hoje buscam, sendo, ao mesmo tempo, simples demais para os mais grandinhos.
Se um dia existir uma verdadeira onda de ressurgimento dos games de plataforma no mainstream – e torço para que isso chegue logo -, outros games terão papel maior nesse ciclo do que ele. No futuro, caso a tendência se solidifique, falarão sobre como Cuphead foi um dos grandes expoentes desse retorno, ao lado de Sonic Mania. Talvez Unravel, de alguns anos atrás, também seja citado. Mas, infelizmente, Super Lucky’s Tale pode acabar não sendo lembrado, justamente pelo fato de muita gente não dar a ele a chance que merece por conta de sua abordagem.
Nos consoles, o título é exclusivo para o console da Microsoft, tendo também uma versão para o Xbox One X. O jogo chega ao video game e também ao PC no dia 7 de novembro.