Então agora você está decidido a começar. Sozinho ou com uma equipe, está determinado a fazer um jogo. Sentou diante do computador e… o que fazer?
Entenda, eu sempre imagino aqui que estou falando com um game designer ou curiosos sobre a criação dos jogos. Se você é programador, artista ou músico, espero que você sabia programar e/ou fazer arte. Essas três áreas conseguem viver tranquilamente longe desse mercado. Já um game designer faz jogos e é isso. Não vou adentrar em minúcias de cada área, espero que cada um saiba fazer o que se propôs. Posso até passear por esses campos, afinal, pensar em games significa imaginar o todo. Porém, quando pergunto “o que fazer?”, pergunto diretamente ao cara que vai pensar no título ou que, quando gerar uma dúvida sobre o processo, todos olharão para ele.
Sendo assim, já começo dizendo que existem dois tipos de game designers: aquele que é reconhecido como tal e o que ainda precisa provar que é um. Bem na real, acredito que você irá sempre ter que se provar como um.
O dia a dia de um Game Designer
Quanto mais jovem as pessoas são, mais simples acreditam que é o mundo. Esse fenômeno é algo interessante de se observar. Contudo, parte dessa juventude simplista acaba por achar que qualquer coisa criativa é simples de fazer, principalmente se isso acarreta “mandar” nas pessoas. Ou seja, parece algo absurdamente agradável ser game designer, onde você tem que pensar em coisas legais e mandar os outros executarem. Simples!
Deste modo, outra parte desses jovens pensarão “ei! Por que preciso ter alguém ‘mandando’ em mim? Sei muito bem como criar um jogo!” E aí temos um dos pontos mais naturais do processo inicial de ser um game designer, perceber que é a função mais desvalorizada pelos desenvolvedores. Ainda mais no Brasil, onde não temos uma indústria natural de criação de jogos, com essas funções bem definidas. Então, vamos desmitificar isso tudo.
Nem sempre o game designer é o líder do grupo, na indústria muito menos, sempre há um chefe com clientes e/ou ideias que você terá que transformar em um jogo. No mundo independente, às vezes o cara que motiva e organiza a galera, ou que teve a ideia do título pode ser qualquer um, talvez ele nem ocupe uma das quatro “funções mágicas”. Às vezes, por exemplo, é o músico quem quer fazer jogos e acaba sendo ele a reunir a equipe, se tornando o ponto motivacional, aquele que cobra e faz acontecer.
A meu ver, a produção de jogos é algo muito horizontal. Arte, código, música e design têm o mesmo peso. Todas as áreas podem ser boas e ruins e o que importa é a média de qualidade de todas elas. Assim, um game designer brilhante não salva um jogo mal programado e vice-versa, por exemplo.
Parece haver uma noção de que o mundo dos games funciona como no cinema, onde o diretor é o grande responsável por tudo (sendo que isso já é bem errado). Claro que se a pessoa responsável pela parte criativa do jogo for inovadora e sensível ao mundo, ela criará algo que faça sentido com o meio em que ela está inserida, e uma obra mais agradável ao público. Mas, mesmo assim, se tudo isso não estiver ao alcance de ser realizada pelo grupo, de que adianta?
Então a pergunta é: como o game designer vai ajudar? A meu ver, ele é um facilitador. O cara que agiliza o processo, deixando todos focados no que devem fazer sem se preocupar se aquilo faz sentido ou não, pois o GD sabe disso e eles podem confiar nele.
Por exemplo, foi definido que os inimigos do jogo serão de um determinado clã ninja. Essa definição, que pode ter sido feita por todo o grupo, se torna responsabilidade do GD, que deve manter tudo como é, ou variar dentro do sentido do jogo. Não poderão aparecer coelhos robóticos como inimigos, pois isso não faz sentido. Alguém pode até começar com infinitos “mas… mas… mas…”, só que não tem mas. Se foi definido que o inimigo são os ninjas, então se mantenha dentro do escopo. Cabe ao game designer gerenciar isso, e ser o cara chato que diz “não”, ou pode dizer “legal… mas não”, daí depende da sua personalidade.
Outra coisa boa dessas definições é o grupo conseguir criar dentro dessa baliza. Sabendo do tal clã ninja, o programador serelepe programando pensa “ei! Por que não fazemos um ninja que se transforma em um raio e se desloca pela tela bem rápido, disparando shurikens incandescentes!” Ele apresenta a nova ideia ao grupo: falta saber se ter magia no jogo faz sentido e como isso vai ser apresentado ao jogador. Ideias como essa podem fazer o game crescer, afinal, talvez ninguém tenha pensando em fazer os inimigos terem esse tipo de propriedade e, agora, eles podem se tornar mais interessantes. É aqui que entra o real trabalho do GD: vale a pena acrescentar esse elemento novo ao jogo? Dizer não é fácil, dizer sim com segurança é o grande desafio.
Digamos que todo mundo quer muito, mas muito mesmo, que o Coelho Robótico apareça por algum motivo muito pessoal. Talvez eles tenham que entender o não, talvez o GD tenha que ponderar o sim. Qual é o caminho certo? Não creio haver resposta. Eu, pessoalmente, acho que o projeto está acima de todos, mas o amor ao projeto está acima disso. É o caminho certo? Sei lá…
Alem disso, o game designer deve prever o futuro do trabalho, mantendo sempre a conexão com o que já esta sendo feito. Sabendo do escopo, das ideias gerais, se espera que ele também saiba o final do jogo. Falta agora criar todo esse meio, sem que nada perca o sentido. Em uma JAM, essa função parece meio irrelevante, mas em um projeto de um ano, às vezes, ninguém mais sabe por que tem um coelho robô no jogo depois de um tempo…
Ou seja, o game designer é o cara que entende sua equipe e o projeto. Mesmo que isso signifique entender a si mesmo em um trabalho solo. Com isso, ele cria coisas possíveis. Essa frase parece bem brochante, contudo, se você for bom, irá ver que dá para ir longe com ideias simples, basta entender que normalmente somos muito melhores do que realmente aparentamos ser, e só sabemos nosso real potencial no campo de batalha, diante da tela branca e com um prazo apertado.
E lembre-se: Ideias motivam pessoas e pessoas motivadas podem mudar o mundo. Agora… se essa ideia é boa e essas pessoas motivadas não são babacas é outra história…
Vejo, metaforicamente, o GD como o Heimdall, o Guardão da Ponte. Enquanto Thor e amigos constroem a ponte, vivem aventuras e salvam a parada toda, ele protege o projeto, ficando de olho para ver se tudo está de acordo com a paz do desenvolvimento e com frases de efeitos e argumentos, explicando o que pode ou não dar errado ou o que está fora do lugar. Claro que, hora ou outra, ele tem e chutar o balde, quebrar votos e tudo mais, por uma causa maior. Assim, voltemos a pergunta fundamental:
O que fazer para começar?
Você já conhece sua equipe, suas limitações e possibilidades. Já está reconhecido como game designer ou assumiu essa função por algum acaso. Hora de pegar uma ideia e desenvolver. Simples! Mas, de onde virá essa ideia?
Vou sugerir aqui dois caminhos, mas devem existir vários, dependendo da forma como seu grupo quer se envolver no processo; mas essas essas duas podem servir de base para começar.
A primeira é: você, como Game Designer desenvolve várias ideias para apresentar a todos e ver de qual eles gostam mais e, com elas, discutem e evoluem o projeto para algo de interesse de todos e que faça sentido para o perfil do grupo. Mesmo se estiver sozinho, pense em várias ideias antes de optar por uma.
A segunda é: todos sentam juntos, conversam sobre pontos que querem ou não fazer, como “não quero criar um FPS” ou “sem jogos plataforma”. Tendo em vista sempre as potencialidades de cada um, se não tem artista 2D, não sugira fazer um jogo 2D, por exemplo. Com essas definições, que devem ser gerais e amplas, cada um pensa sozinho em várias ideias de mecânicas, temas, sentimentos, bases de referência, enfim, qualquer coisa que, delas, se consiga tirar um jogo.
Sugiro que esse tempo seja pré-determinado. Quem sabe uma hora, e que cada um tenha que se esforçar para trazer um determinado número de ideias, dez me parece um numero bom. Pode ser mais, ou menos, o importante é se dedicar a isso. Sempre faço esse esquema em JAMs e acabamos descobrindo ideias e lugares-comuns que temos certeza que muitas pessoas teriam, optando por algo que seja novo e interessante.
Em um projeto maior, essas opções talvez levem mais tempo, todos devem ter as dez ideias também, mas com uma semana de prazo. Aqui, vale pensar com calma e as ideias devem ser mais profundas, afinal, dela tem que sair um jogo inteiro e longo.
Reuniões serão inevitáveis, tente fazê-las de modo divertido e agradável
Alguma dessas ideias será a escolhida? Provavelmente não. Porém, mecânicas, temas e outros elementos serão apresentados e misturados, simplificados ou ajudarão a descobrir algo completamente diferente, que será o grande desafio para a reunião. Desta tempestade cerebral, vocês criarão um jogo. Acho esse processo conjunto muito foda. Todos se sentem criadores da ideia. Isso faz toda a diferença e cria uma conexão do time com o projeto.
Mas e se você tem uma ideia em que você acredita muito? Trabalhou nela por meses e quer muito fazê-la? Se tem grana, pague para alguém trabalhar junto. Se não, tente encontrar pessoas que também gostem da sua ideia. Ou seja um GD reconhecido, um em que as pessoas possam confiar e entender que dedicar o tempo delas à sua ideia será recompensador de alguma forma.
Criar clones parece legal, mas não é
Só para registrar aqui um ponto que acho significativo para esse momento do processo de qualquer equipe que esteja começando um novo projeto: não tenha medo de pegar referências, toda arte é feita delas. No entanto, neste momento do projeto, você não está mais aprendendo, está começando a se preparar para conquistar o mundo, logo, sugerir refazer o Super Mario Bros. é uma ideia estúpida. Pensar em fazer um clone de qualquer jogo é uma ideia babaca.
Dito isso, sempre que você tomar algum jogo como referência, mencione as semelhanças e as diferenças. Falar para se fazer um jogo por que ele vai dar grana, ou por que outro igual fez dinheiro, não é um argumento plausível. Faça um jogo em que você acredite. Mantenha sua dignidade, e siga em frente.
Esse processo de ter ideias é delicado, e pode acontecer de acabar a reunião sem uma que agrade a todos. O importante é que muita coisa foi dita, e a partir delas, é possível recomeçar com mais garantia e tentar novamente numa próxima. O difícil é se todos forem cabeças duras – um quer fazer um FPS, outro um RTS, ninguém consegue se juntar ou abrir a mão. Talvez se na terceira reunião nada tiver decidido, seja uma boa montar outra equipe, ou pedir com carinho e gentileza para a âncora seguir a vida dela, e substituir a pessoa infeliz com a ideia que agrada a maioria.
É duro dizer isso, mas, se nesse primeiro momento já se tem problemas, acredite, muitos outros surgirão ao longo de toda a jornada até o jogo ficar pronto. Não vale a pena já começar errado. A vida é dura.
Imagem relaxante após frases difíceis.
Enfim, é isso. Vou seguir falando sobre como começar nas próximas colunas, aprofundando em alguns aspectos deste momento tão mágico na criação de jogos, pois toda equipe passa por situações como essas. Mas já deixo claro, eu não acredito que exista uma forma certa.
Muita gente que eu conheço e eu mesmo, por muito tempo, patinamos nesse primeiro instante da criação de jogos. A pior sensação é seguir até poucos meses após essa definição para descobrir que alguém não estava feliz e queria sair do projeto, ou pior, alguém fica de corpo mole por não achar que fazer jogos é importante. Afinal, após esse inebriante momento de ter ideias, o que sobra é muito trabalho. Uma ideia complexa demais pode ser legal no começo, mas depois é só sofrimento para uma equipe inexperiente. Se você conseguir passar dessas primeiras ondas, parabéns, você já está muito à frente de muita gente. Boa sorte e bora fazer jogo!