Vocês devem estar familiarizados com o termo “pérola escondida”, aquele ótimo game que não tem muita divulgação, mas chega até você pelo boca a boca e se torna um marco na vida de muitas pessoas por ser inovador e tocante no âmbito pessoal de seus jogadores, por motivos culturais e principalmente emocionais. The Friends of Ringo Ishikawa chega de mansinho, sendo pouco falado no Brasil, mas com uma enorme legião de fãs por todo o mundo.

Eles são discretos assim como os personagens, esses estudantes delinquentes japoneses que aprendemos a amar graças à cultura pop, que para nós, tem raiz ligada pela popularização do anime no país e chegou sem o drama cultural e político que esta realidade traz.

O game se passa em uma pequena cidade portuária afastada de Tóquio no início dos anos 1980. Um jovem sem família mora de favor em um prédio popular para pobres e reuniu outros quatro amigos para descontarem sua rebeldia sem causa nos estudantes de outras escolas, uma mudança de comportamento em um garoto antes disciplinado e praticante de karatê e notório por seu desenvolvimento educacional, arruinado pela delinquência, a ponto de fazer seu nome entre os vândalos rivais.

Aqui, você controla apenas Ringo, seus companheiros têm vidas próprias e podem ser recrutados, pois você é o chefe, mas dentro da agenda deles. A missão do jogo é manter o jovem vivo, pois, por conta, ele morreria de fome ou espancado. A ação policial é nula e os adultos não se metem, sabendo que esses pirralhos violentos serão algo desprezível entre Bosozoku e Yakuza, ambos casos de integrantes vingativos, e isso é ruim para os negócios, principalmente o segundo caso. Claro que os adultos querem ajudar Ringo, declarado o único em quem o diretor da escola bota fé que possa melhorar. Para isso, será preciso construir a confiança deles com visitas e esforço, enquanto tenta arrumar dinheiro para viver, seja roubando dos oponentes caídos, trabalhando ou pelo incentivo do diretor Machida.

Para se aprofundar em The Friends of Ringo Ishikawa, é preciso conhecer um pouco da cultura Yankee no Japão e como ela se espalhou mundialmente, principalmente no Brasil, o que fez muitos brasileiros quererem exportar uniformes japoneses nos anos 1990 após o sucesso do anime “Yu Yu Hakusho”, onde os protagonistas Yusuke Urameshi e Kazuma Kuwabara mostraram as duas faces de um delinquente: um tem família desestruturada e o outro o faz como rebeldia social, mesmo tendo um lar estruturado. Sem aprofundar muito em sociologia e psicologia, é muito comum os adolescentes se rebelarem contra as regras limitantes de comportamento quando os hormônios viram demônios e querem escrotizar tudo e todos, mas escondendo sua frustração pessoal com muitos fatores, que variam de cultura para cultura;, no caso da japonesa, a disciplina e caretice da aparência.

Não é deste século que os jovens nipônicos tendem a mudarem extremamente sua aparência para se diferenciarem do resto da sociedade onde, naturalmente, a aparência cabelos lisos pretos e vestimenta impecável de acordo com o período da vida esconde as paixões e fúria de mentes em constante ebulição, precisando se expressar de forma contrária ao imposto pelos pais. Por isso a necessidade de mudar esses fatores que os tornam iguais na multidão é tão intenso na cultura pop japonesa. Ringo e seus amigos ainda mantêm seus uniformes intactos, pois são a farda de sua escola, que se tornou o forte de proteção contra instituições rivais, mas seus cabelos, quanta diferença…

Ringo é contra o sistema, que o vê como um inútil violento que prejudica a organização educacional, o que está correto, e ele sabe. Por isso, cabe ao jogador mudar o destino do protagonista enquanto percebe o que a filosofia já dizia há eras: a arte e educação amansa a fúria nos homens. Como o próprio criador solitário do game, Yen, já disse, este é um jogo existencial sobre ser um delinquente japonês, e se torna assim pois apesar dos preconceitos. Todos esses garotos têm seu intelecto, mesmo que pouco desenvolvido, por isso, ler livros é tão importante quanto aprender técnicas de combate em The Friends of Ringo Ishikawa.

O conhecimento muda as pessoas e esse detalhe fica explícito no game, pois quanto mais se desenvolvem as matérias escolares, mais dinheiro se recebe do diretor Machida, com o personagem sendo chamado para trabalhos relacionados à matéria com a qual tem mais afinidade. Sim, tudo depende do esforço de Ringo e da decisão do jogador definir se eleo será um Yakuza burrão, um jovem recuperado pela educação ou ficará dividido entre os dois, vivendo de bicos com futuro incerto.

Apesar de o game se apresentar como um Beat’em Up, podemos perceber facilmente que se trata de um RPG de ação bem inovador. Você pode lutar com quem aceitar o desafio ou levar uma bordoada na orelha, mesmo que seja de uma gangue aliada, pois é muito fácil arruinar alianças com um sopapo, mas o ganho de EXP vale a pena. O jogo usa um sistema de calendário bem avançado, apesar de aparentar ser simples, que conta os dias da semana, horas e dias decorridos, e é nessa simulação de realidade que o jogador vai ter que se virar para manter compromissos com trabalho, escola, desafio de gangues, treinos, estudos, crises existenciais, amigos malucos, etc.

Criar uma rotina pode ser o caminho mais fácil para a vitória, não? Seria se o próprio jogo não tivesse seus eventos por data e convívios, fazendo você perder provas e trabalho por causa de assunto a serem tratados com os punhos. Os combates são muito mais técnicos que qualquer Beat’em Up, por isso minha discordância, com as devidas escusas, pois os ataques podem ser feitos com a guarda baixa ou alta, que consomem fôlego e misturam karate com boxe e Muay Thai. Tudo depende do que se aprendeu e como ativar na hora certa, pois os inimigos têm os mesmos recursos que os protagonistas, e não basta chegar pulando em voadora e apertar repetidamente os ataques, senão você vai beijar a grama, mesmo em maior número. Ringo tem a vantagem de agarrar os inimigos, mas não saber agir rápido lhe garante ser derrubado pela própria vítima ou um colega dele, que já chega na voadora.

O jogo não tem game over. Por mais que você seja derrotado, retorna para sua casa e não pode programar o despertador para acordar, ferrando a rotina, a menos que você esteja dedicando sua vida à delinquência, aí não precisa se abalar muito. As academias fecham, assim como as lanchonetes, por isso é bom ter o mínimo de bom senso pra não desmaiar de fome na rua e ser levado de volta para casa perdendo um evento.

A aparência é essa de 16-Bits do começo dos anos 1990, mas as músicas são blues e jazz de refinada qualidade, alguns tradicionais e outros com remix de hip hop, de extremo bom gosto. Existem poucas vozes e os efeitos especiais são simples para manter o low profile. Claro que a Pixel Art simples remonta aos tempos de River City Ransom, caso fosse feito para Super NES, mas é muito carismático, apesar de quase todo mundo parecer bravo.

Uma reclamação é que alguns bugs surgem para incomodar, nada que chegue a travar o game, mas que pode arruinar o aproveitamento pleno desta obra de arte, como quando se vai roubar os derrotados e eles estão próximos ou sobrepostos a outros ou obstáculos do cenário, se tornando inacessíveis. Fora isso, algumas decisões se mostram infelizes, como perder um dia inteiro por causa de dois minutos de papo furado sobre mulheres ou que o colega quer espairecer a cabeça esmurrando rivais no dia que você tem horários para cumprir, o que te leva para longe do local que ele mesmo citou. No Steam, o criador afirmou estar ciente disso e que vai consertar, o que é um alívio, pois é um jogo viciante.

The Friends of Ringo Ishikawa é um game completo para quem quer pensar, esmurrar, simular uma vida de delinquente juvenil típico de mangá e anime sem se preocupar com mais nada. Com uma cidade inteira para explorar, lugares para ir e pessoas para não decepcionar, este é outro indie que mexe com o emocional dos seus jogadores, buscando reflexão no trivial e ir além do óbvio, onde nós podemos nos salvar de nossos hábitos que nos prejudicam e mudar de rumo ou afundar na triste e pobre solidão do alcoolismo e violência urbana como forma de compensação, vendo as meninas se afastarem e os professores o evitarem, sem antes darem aquela bronca devida.

Lançado em 2018 para Steam e com versão Switch liberada no ano passado, The Friends of Ringo Ishikawa vai cativar quem gosta de “Jojo’s Bizarre Adventure”, “Yu Yu Hakusho”, “Slam Dunk” e Rival Schools, mas com um toque mais realista e o peso das consequências

Encontrou um erro?

Envie um email para contato@newgameplus.com.br com a URL do post e o erro encontrado. Obrigado! ;-)