A vida do YouTuber não é só convite para eventos, diversão, jogatinas gravadas e contato com os fãs. Frequentemente, eles também precisam dar atenção ao lado um pouco chato desse negócio, aquele que envolve as barreiras entre o que chamam de divulgação gratuita, os próprios ganhos com o trabalho e as violações de direitos autorais. Tudo diante de empresas e marcas muito mais poderosas e um sistema de identificação automática que prefere sempre pecar pelo excesso.

As identificações são implacáveis e envolvem diversos tipos de punição, desde “simples” impedimentos à monetização até retiradas completas de vídeos do ar. E, em muitos dos casos, o resultado disso é um strike, uma espécie de advertência enviada ao canal devido às atitudes que vão contra as regras. Receba três e seu espaço no YouTube é retirado do ar, junto com todos os vídeos e eventuais ganhos que você tinha no Google AdSense.

O robô inimigo

Para muitos produtores de conteúdo, o grande vilão dessa história é o ContentID, sistema automático utilizado pelo YouTube para identificação de material protegido. É por meio dele que as empresas de mídia garantem que as obras de sua propriedade não sejam hospedadas livremente na rede. E também é ele o responsável pelos Flags e Strikes que atingem as contas dos usuários.

Apesar da complexidade de seu funcionamento, o conceito por trás do ContentID é teoricamente simples. As empresas fazem uploads de centenas de horas de músicas, vídeos e conteúdos ao sistema. Cada vídeo subido por um usuário é comparado com esse gigantesco banco de dados e, no caso de identificações positivas, são aplicadas as ações definidas por cada companhia.

Elas podem, por exemplo, bloquear seu vídeo completamente (ou apenas em alguns territórios), emitir um aviso simples para o autor informando que ele está trabalhando com conteúdo protegido ou, o mais comum, reverter a renda oriunda de anúncios para uma conta própria. Todos os alertas emitidos pelo ContentID se transformam em “Flags”, que não possuem nenhum tipo de efeito punitivo sobre a conta do usuário, tirando, é claro, a perda de dinheiro do AdSense em alguns casos.

O que fazer contra Flags e Strikes no YouTube?

O problema começa quando os Flags evoluem para os amaldiçoados “Strikes”. São eles, sim, os grandes temores do YouTuber, responsáveis pela remoção completa de vídeos e na limitação de privilégios como monetização e upload de thumbnails personalizadas aos vídeos. Para as empresas, eles também são coisas sérias, pois normalmente envolvem uma solicitação formal de remoção de conteúdo, um documento normalmente passível de disputas judiciais e até mesmo processos, caso de provem ilegítimos. Por isso, é uma alternativa normalmente evitada pelas empresas.

O que não significa que elas atuem numa boa quando o assunto são os flags, muito pelo contrário. Jessica Pinheiro, uma das Girls of War, lembra do que pareceu “mais um ultimato do que uma negociação” quando uma trilha sonora de propriedade da Square Enix foi identificada em um dos vídeos do canal. O resultado? Uma notificação agressiva que removeu completamente o áudio do vídeo e continha também um prazo para remoção completa do conteúdo, sob pena de Strike.

Nesse caso, para elas, nem valia a pena contestar. A obra foi retirada do ar e hospedada no Vimeo, site de vídeos que contém regras mais frouxas de uso de direitos autorais, mas nem de longe tem a base de usuários ou ferramentas de monetização do YouTube. É uma alternativa para manter o conteúdo no ar, mas nada mais do que isso.

E não importa se o trecho identificado é de apenas alguns segundos. Grandes YouTubers já tiveram vídeos enormes, com 30 minutos ou mais, retirados por segundos de imagens protegidas por direitos autorais. O ContentID não faz uma distinção em relação ao tempo total de conteúdo, buscando apenas as instâncias de violação. Nesse caso, literalmente, alguns segundos podem prejudicar a saúde do conteúdo inteiro ou, pior ainda, do canal como um todo.

Mas aqui, desde já, uma dica: não saia por aí repetindo o que dizem por aí sobre Fair Use. Como explica o advogado Stephen McArthur, em um artigo publicado no Gamasutra, essa é uma concepção interpretada de forma equivocada pela maioria dos YouTubers e envolve critérios muito mais complexos do que a simples exibição de cenas por um determinado período. Além disso, não adianta discutir com o YouTube sobre isso, já que esse é um assunto decidido por juízes em tribunais, e não em formulários de disputa.

As empresas estão contra nós?

O ContentID sempre exije que o produtor do conteúdo prove que o uso que faz daquele material é legítimo. Mas, por mais que os dados sejam sempre apontados dessa forma, muitas das empresas de games enxergam com bons olhos a postagem de vídeos, comentários e jogatinas. É o que mostra o Let’s Play – Friendly Developers Wiki, um compilado de experiências pessoais de centenas de criadores com as ferramentas do YouTube que deve ser visitado por qualquer um que queira levar a sério uma carreira na rede.

O problema é que, oficialmente, são poucas as empresas que falam sobre o assunto. Durante duas semanas, o NGP tentou contato com desenvolvedoras como Capcom, Ubisoft e Sony, tanto no Brasil quanto no exterior. Nenhuma delas aceitou o pedido de entrevista sobre sua visão em relação à produção de conteúdo para o YouTube.

A demonstração mais clara de apoio a esse tipo de mídia, porém, veio em dezembro de 2013, quando uma chuva de notificações atingiu desde canais pequenos até os maiores. Oriundas de empresas ligadas à indústria musical e, muitas vezes, sem validade, os Flags resultaram em bloqueios de monetização e, em poucos casos, na remoção de alguns vídeos do YouTube. Na época, desenvolvedoras como Naughty Dog, Deep Silver, Codemasters (acima) e Capcom demonstraram publicamente seu apoio e trabalharam ao lado do YouTube na resolução dos problemas.

Uma alternativa normalmente citada para evitar problemas com os sistemas de identificação de copyright é a entrada em networks, que negociam de uma vez só com as desenvolvedoras a utilização de seus conteúdos em vídeo, em troca de uma parcela dos lucros. Redes como Machinima e TGS, inclusive, contam com presença no Brasil e seus recrutadores estão sempre de olho em novos canais com conteúdo promissor.

Para quem quer ficar sozinho, uma alternativa para se resguardar é a procura de suporte oficial e a obtenção de autorização por escrito para uso e monetização do conteúdo. O problema, como já dito, é que são poucas as empresas que se pronunciam oficialmente sobre o assunto, portanto, obter esse tipo de coisa pode ser tarefa um pouco complicada.

É justamente essa falta de clareza que Monique Alves, do Resident Evil Database, critica. Apresentadora de um programa especializado na série de horror da Capcom, ela diz que alguns de seus vídeos acabam identificados pelo sistema automático do YouTube, enquanto outros, do mesmo teor, tiveram monetização permitida. “Tem conteúdo bloqueado até hoje pelo próprio [site], que nem mesmo me deu chance de disputar”, comenta.

Nos casos em que isso foi possível, a resposta foi rápida. A resposta ao aviso de violação de direito autoral foi feita pelo próprio YouTube e a Capcom acabou liberando o conteúdo. Em outros, porém, a solicitação foi negada e, agora, ela busca contato com a própria desenvolvedora para resolver o problema. Até o momento em que essa reportagem foi escrita, porém, nada de respostas positivas.

Fui notificado, e agora?

Flag

Sempre que um Flag é emitido pelo YouTube, o usuário tem duas opções: reconhecer a notificação ou disputá-la. No primeiro caso, ele reconhece que a identificação procede e aceita as medidas tomadas pela companhia. Já no segundo caso, é possível rebater a acusação utilizando argumentos próprios, na tentativa de provar um uso legítimo do conteúdo. A recomendação de McArthur é que os produtores de conteúdo sempre disputem, desde que, claro, tenham razão.

O que fazer contra Flags e Strikes no YouTube?Imagem: Wired

Nesse caso, é preciso preencher um formulário – que está disponível inclusive em português – e explicar exatamente porque aquele seu vídeo não representa uma violação de conteúdos autorais. Utilize provas como declarações públicas das empresas detentoras ou cópias de emails trocados.

A resposta, seja positiva ou negativa, deve vir em 30 dias. Independentemente do resultado – e também do motivo da disputa – seu vídeo ficará disponível para todos durante esse tempo, mas não poderá ser monetizado. Aqui, quem resolve a questão não é mais um algoritmo, e sim, a própria companhia. Na maioria dos casos, se a solicitação realmente for legítima, ela será aprovada. Caso contrário, porém, não existem penalizações ao canal ou ao conteúdo, que apenas permanece da maneira determinada inicialmente.

Caso o produtor queira ir além, é aí que as coisas ficam realmente sérias. A continuação do processo transforma a disputa em um Apelo. Nesse caso, o usuário também está rebatendo diretamente uma identificação do ContentID, no que é visto como o último recurso do produtor de conteúdo nesse caso. É, também, a decisão final do detentor dos direitos autorais, que deve decidir entre duas coisas: voltar atrás em suas alegações originais ou, então, submeter um pedido formal para remoção de conteúdo.

Por isso, é melhor que você tenha certeza do que está fazendo caso decida entrar com um apelo. A questão conta também com o envolvimento da DMCA – entidade responsável pelo gerenciamento de direitos autorais nos Estados Unidos – no processo de remoção de conteúdo que, caso seja completado, resulta em um Strike ou na remoção completa de seu canal no YouTube.

Strike

Caso você receba uma notificação direta de remoção da DMCA, não é possível apelar diretamente ao YouTube. Aqui, são três os caminhos possíveis: entrar em contato diretamente com o detentor dos direitos autorais para que ele retire a notificação, entrar na justiça para provar que sua utilização daquele vídeo é legítima ou passar pela “escola de copyright” do YouTube.

O terceiro método, pela comodidade, acaba sendo mais comum. Ele exige que o dono do canal assista a vídeos institucionais sobre o uso de conteúdo protegido e responda a questionários sobre o assunto. Após isso, o Strike recebido prescreve em seis meses, desde que, claro, o canal não receba novas notificações nesse período.

O que fazer contra Flags e Strikes no YouTube?

A abertura de uma ação legal é possível, mas McArthur afirma que ela nem sempre é pertinente, além de significar em custos maiores de defesa e contratação de advogados. Em seu artigo, ele cita o caso de TotalBiscuit, um YouTube que venceu um estúdio de desenvolvimento na justiça americana depois que a produtora utilizou uma notificação à DMCA para retirar do ar um review negativo de um título.

Segundo o advogado, é nesse tipo de caso que o auxílio da justiça deve ser requisitado, e dificilmente um usuário com uso legítimo de um vídeo terá que chegar às vias legais para recuperar seu vídeo ou monetização. Nos casos em que a empresa finca o pé sobre sua decisão de remover os ganhos ou retirar o vídeo do ar, na esmagadora maioria das vezes, ela tem plenos direitos para fazer isso.

O ideal mesmo, na visão de McArthur, é evitar os problemas por antecipação. Antes de gravar um vídeo sobre um determinado game, pesquise sobre a postura de desenvolvedoras e distribuidoras sobre o assunto. E, acima de tudo, tome os cuidados necessários para não acabar sendo mais uma vítima do ContentID.

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