Basta olhar os comentários de notícias recentes em qualquer site de games do Brasil para perceber qual é o assunto polêmico do momento. Na mesma medida em que os DLCs se firmam cada vez mais como uma realidade constante na indústria de games, também se tornam alvo de reclamações direcionadas, principalmente, a uma suposta ganância das empresas.

A discussão, que andava sonolenta mas nunca realmente morta, voltou à tona com muita força na última semana, quando a Ubisoft do Brasil, em vídeo, pediu que os fãs parassem de reclamar sobre os conteúdos extras. A ironia utilizada nas declarações, juntamente com a falta de explicação sobre como tudo funciona transformou uma mensagem que seria bastante honesta – a de que desenvolvedoras de jogos trabalham, sim, para ganhar dinheiro, e não para fazer caridade – acabou se transformando em um desastre.

Entre gritos que acusam a companhia de ser mercenária e estar utilizando uma tática desonesta para com seus fãs, há um grande espaço para discussão. Não dá para amaldiçoar completamente o lançamento de DLCs, ao mesmo tempo em que também não é possível apoiar completamente a prática em alguns casos. Aqui, não há opinião certa e errada. Só é preciso entender como tudo funciona antes de aplaudir ou destruir.

Contendo o aumento nos gastos

Por que odiamos tanto os DLCs?Setor de usados de uma loja da rede GameStop.

O mercado atual de games tem um funcionamento muito parecido com o da indústria do cinema. Com os avanços da tecnologia, desenvolver um jogo de grande porte se tornou muito caro. Para recuperar os muitos milhares de dólares gastos na produção de um grande título, as empresas dependem cada vez mais de números expressivos de vendagem para que possam fechar a conta no azul.

O problema é que esse fenômeno acontece em um ensejo que tem suas peculiaridades. Aumentar o preço dos títulos é uma decisão impopular e arriscada, pois os games para PlayStation 4 e Xbox One, por exemplo, já são vendidos a US$ 59,99, um valor nada baixo. Com isso, o mercado de usados – que oferece jogos a valores bem mais baixos – ganha força nos EUA e Europa, além de ter uma atuação considerável no Brasil.

Frente a esse dilema, uma das soluções encontradas pelas desenvolvedoras foi usar a infraestrutura online dos consoles e PCs para expandir a experiência dos games comprados em loja. Mediante pagamento, jogadores de todo o mundo poderiam ter acesso a capítulos adicionais, extras exclusivos e outras expansões que tornavam os já caros títulos mais completos e atrativos.

As grandes redes varejistas também viram na novidade uma forma de fidelizar seus clientes. Perante a ameaça cada vez maior dos jogos digitais, as lojas começaram a firmar acordos com desenvolvedoras, garantindo vantagens especiais para quem realizasse a pré-compra dos títulos em sua rede. Os brindes, claro, eram DLCs exclusivos ou edições especiais que você só encontraria ali

Como se tratam de expansões de fórmulas e utilizam engines já existentes, o custo de desenvolvimento de um adicional desse tipo é baixo. Sendo assim, os DLCs se tornaram um método bastante eficaz para multiplicar o faturamento oriundo dos jogos lançados em disco e se tornaram um dos principais motores do crescimento da distribuição digital de jogos. Foi aí que a coisa começou a piorar.

Perdendo a noção

Por que odiamos tanto os DLCs?Em 1974, “007 Contra o Homem da Pistola de Ouro” iniciava o conceito de que uma arma dourada era melhor do que as outras.

A aceitação dos DLCs iniciais pelo público e os baixos custos envolvidos na produção deles deram início a uma verdadeira corrida do ouro, na qual o alvo eram os bolsos dos jogadores. No rol de DLCs, os extras consistentes passaram a ser substituídos por pequenos adicionais que traziam muito pouco valor. Uma simples alteração nas cores de roupas de personagens ou na tonalidade de armas – o “efeito metralhadora dourada” – era suficiente para que as desenvolvedoras já cobrassem. Qualquer trocado passou a valer a pena.

Em um determinado momento, os conteúdos adicionais passaram a ser anunciados antes mesmo dos títulos chegarem às lojas. Não dá para ser ingênuo a ponto de acreditar que esse tipo de extra tinha seu desenvolvimento iniciado apenas depois dos lançamentos, mas, pelo menos, se tinha a impressão de que estávamos levando para casa um produto completo. Esse, porém, não era mais o caso.

A coisa fica ainda pior quando, como aconteceu com Assassin’s Creed Unity, os jogadores receberam um título claramente mal-acabado, mas cheio de DLCs. De armas e roupas até capítulos extras para a campanha, tínhamos toda uma estrutura de expansões montada para um game que nem funcionava direito. A situação levou ao cancelamento do Season Pass e à entrega de jogos gratuitos como pedido de desculpas, enquanto a Ubisoft trabalhava em atualizações – algumas com mais de 6 GB – para resolver as falhas.

De forma a monetizar ainda mais os games, as desenvolvedoras também adotaram a prática de lançar novas edições de seus títulos, reunindo fisicamente todos os DLCs. As chamadas versões Gold, Complete ou Game of the Year também irritavam quem comprou no lançamento, pois uma edição muito mais completa estava disponível pelo mesmo preço pouco depois. Quem adquiriu o título e os extras pagou mais caro e saiu no prejuízo.

Ultimate Marvel Vs. Capcom 3

A crítica aqui, porém, muitas vezes é simplesmente egoísta. Edições integrais de games que os jogadores já possuem são execradas, com a desenvolvedora sendo taxada de mercenária, enquanto aquelas que o usuário ainda não comprou são dignas de grandes comemorações. O problema só existe, de verdade, quando o conteúdo extra é lançado apenas no formato físico, como foi o caso de Ultimate Marvel Vs. Capcom 3, que chegou às lojas poucos meses depois do lançamento do game original e deixou muita gente irritada.

Pesos iguais, mas medidas diferentes

Principalmente na comunidade brasileira, criou-se uma tendência a criticar a Capcom o tempo todo. A cada DLC anunciado, a cada nova edição divulgada, gamers de todo o país comparecem em fóruns e áreas de comentários taxando a empresa de mercenária e gananciosa, ocasionando um “mimimi” generalizado. Por algum motivo misterioso, o mesmo tratamento não é dado a outras desenvolvedoras que também agem de maneira semelhante.

Essa preferência por bater na empresa, possivelmente, surgiu das diversas edições de Street Fighter, lançadas a todo momento, ou do já citado Ultimate Marvel Vs. Capcom 3. Não estamos tentando defender a Capcom, e ela, sim, já fez as suas – Asura’s Wrath, estamos olhando para você – mas o buraco é bem mais embaixo do que uma roupinha extra para o Ryu ou um mapa a mais em Resident Evil.

Em reportagem, o site PS4 Daily descobriu que o jogador precisa gastar mais de US$ 200 em Evolve para ter o pacote completo de conteúdo. Ao todo, são mais de 40 itens diferentes de DLC, que vão desde skins diferentes até novos personagens e monstros, muitos deles não cobertos nem mesmo pelo Season Pass do jogo, que em teoria, deveria ser o passaporte para o conteúdo completo.

A Activision também conta com uma abordagem agressiva de DLCs para seu principal título, Call of Duty: Advanced Warfare. Antes mesmo do jogo ser lançado, já sabíamos que ele seguiria a tradição de ter quatro entregas de DLC ao longo do ano seguinte à sua chegada às lojas, o que inclui o modo cooperativo com zumbis e astros de Hollywood, que só pode ser acessado por meio de expansões.

A Rockstar inclui microtransações em Grand Theft Auto V para compra de dinheiro virtual, que também pode ser obtido por ações dentro do próprio game. Mas quando a Capcom fez o mesmo em Resident Evil Revelations 2, para obtenção mais rápida de cristais de vida que, também, podem ser ganhos em um modo extra do título, se viu obrigada a prestar esclarecimentos à comunidade. Na maioria das vezes, as duras críticas às ações da empresa – e apenas a ela – não são justificáveis e representam uma dinâmica comum no mercado atual.

Por outro lado, há um fator pelo qual a Capcom merece todas as críticas possíveis. Em muitos dos grandes lançamentos recentes da empresa, como Resident Evil 5, Marvel Vs. Capcom 3 e Street Fighter X Tekken, foi descoberto que os conteúdos adicionais que chegariam como DLC após o lançamento do game já estavam presentes no disco.

Sendo assim, no momento em que o jogador adquiria o extra pela rede online, ele não estava comprando o conteúdo, e sim, um código que destravava algo que ele já possuía desde que comprou o game. Foi o caso com o modo Versus, de RE5, ou com os 12 personagens extras do crossover com a Bandai Namco, por exemplo.

A Capcom se justifica afirmando que a prática reduz o tempo de download e os custos de infraestrutura online. Na opinião da empresa, não há diferença alguma entre o conteúdo estar presente no disco e ser baixado, já que aquele extra específico nunca fez parte da edição original do game.

A prática obrigou a desenvolvedora a prestar explicações perante o Better Business Bureau, espécie de PROCON americano, e a mudança de atitude, na verdade, gera um efeito placebo. A Capcom parou de incluir DLCs em disco, mas agora, você precisa baixa-los para ter acesso a eles – o que inclui também pacotes de compatibilidade para que mesmo que não possui os extras possa jogar com quem os tem. Então, basicamente, você continua tendo os dados em seu aparelho, só não pode acessá-los.

O ódio é maior ao sul do mundo

O mercado de games brasileiro tem uma dinâmica um pouco diferente da existente nos Estados Unidos e Europa. Por aqui, todo e qualquer anúncio relacionado a DLCs é alvo de críticas e até mesmo conteúdos gratuitos são recebidos com negatividade pelos gamers. Os reais motivos para tantas reclamações, porém, muitas vezes acabam ocultos.

A pirataria, principalmente na sétima geração, é um fator que, para muitos, impede o download mesmo de conteúdos gratuitos. Muitos dos adeptos dessa prática sabem que ela não é justificável e, sendo assim, criticam o fato de estarem sendo deixados de lado utilizando argumentos periféricos que, muitas vezes, passam longe de ter pé no bom senso. Desculpe, mas dizer que DLCs são ruins por que nem todos possuem consoles conectados à internet não é nada válido.

Resident Evil 5

Uma prova desse fenômeno foi o lançamento de Resident Evil 5 Gold Edition. A chegada da versão estendida do game foi comemorada por usuários de Xbox 360 – que alegavam uma suposta dificuldade de acesso aos conteúdos online – para logo depois, perceberem que ainda assim teriam de fazer um download para ter acesso aos extras. Não foram poucos os emails revoltados que recebi, quando ainda trabalhava com sites sobre a franquia, de donos do console da Microsoft que não teriam acesso aos novos capítulos mesmo comprando o game original.

O alto preço dos jogos, por outro lado, é sim um argumento que pode ser usado com propriedade, principalmente para criticar a política de DLCs já inclusos no disco. O câmbio entre o dólar e o real faz com que, muitas vezes, certos extras custem até um quarto do valor de um game novo e, caso muitos deles sejam lançados, não há carteira que aguente.

Há ainda aqueles que gosto de chamar de “turma de mimimi”, o grupo de fãs da série que gostam mesmo é de reclamar de tudo. Para esse pessoal, o anúncio de DLCs é um prato cheio para destilar todo tipo de veneno contra a Capcom, acusando-a de mercenária sempre que há a oportunidade. O problema é que essas mesmas pessoas reclamonas acabam comprando o conteúdo no dia do lançamento, incentivando a prática.

Futuro em partes (e o que fazer com relação a isso)

The Last of Us: Left Behind

Por mais que a gente reclame, os DLCs estão aí para ficar. Para as empresas, eles são uma prática que dá certo e uma grande ajuda para ampliar o faturamento dos títulos. Até aí, até mesmo os gamers têm a ganhar, já que o sucesso de um game é garantia de que sequências serão produzidas.

O problema, de verdade, são as ofertas gananciosas, voltadas simplesmente à obtenção de lucro e com pouco valor real. É claro, o principal interesse das empresas não é a arte, e sim o dinheiro. Mas cabe a nós mostrar a elas que não aprovamos as práticas adotadas.

O posicionamento contra políticas abusivas de DLC é feito por meio de um boicote a elas, mostrando às desenvolvedoras que não estamos interessados em conteúdos sem substância e que foram feitos apenas para caçar níqueis. Apenas assim é possível mostrar insatisfação. Sua reclamação, mesmo que baseada em argumentos sólidos, tem um efeito minúsculo nesse aspecto.

O mimimi em comentários de sites e fóruns oficiais de nada adianta caso os conteúdos digitais continuem vendendo bem. No momento em que uma empresa tem em uma das mãos relatórios financeiros mostrando que seus DLCs foram um sucesso e em outra um bando de adolescentes reclamando sobre os conteúdos lançados, quem vocês acham que eles vão ouvir?

Nota: este artigo foi publicado originalmente em 2012, no Resident Evil SAC. Apesar de aparecer aqui com algumas edições, elas se trataram de meras atualizações de dados ou informações, sem mudanças em sua essência. Com quase três anos de idade, o texto ainda se mostrou assustadoramente atual.

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