A Ubisoft quer mostrar que sabe o que está fazendo com Watch Dogs 2. Depois do hype absurdo do primeiro game da franquia e de uma entrega que não fez jus a ele, além das acusações de downgrade e críticas sobre um marketing desmedido, a companhia puxou o freio para o inevitável segundo game da franquia. Controlar as expectativas e entregar uma mensagem correta, aqui, se tornou mais importante do que fazer barulho (e promessas).
Não se engane. Watch Dogs 2 ainda é, sim, um grande blockbuster, e uma das maiores expectativas de ganhos e vendas da Ubisoft para este ano. A diferença é que, agora, a empresa deseja fazer isso mais pelos méritos do próprio título, que avança grandemente em relação ao antecessor, do que pela força de sua propaganda.
É curioso notar que essa mudança de comportamento acompanha, justamente, um título extremamente colorido e vistoso, mas com um time de protagonistas que luta justamente contra o status quo da sociedade, seus padrões de consumo e estilo de vida. É uma história que se passa em São Francisco, casa do Vale do Silício e das principais empresas de tecnologia do mundo, que dependem, justamente disso para seguir em frente.
São máquinas de marketing e serviços absurdas, que aqui, parecem encontrar uma força de poder similar, apesar de menor em tamanho. Passando longe da melancolia e do sentimento de vingança do jogo anterior, Watch Dogs 2 é um conto de rebeldia e juventude, com belíssimos gráficos e um mundo aberto vasto e vivo. O maior problema, porém, parece ser que a Ubisoft não soube bem o que fazer com tudo isso.
Cadê o especialista em UX?
Em um evento realizado pela Ubisoft em São Paulo, tivemos um contato próximo com Watch Dogs 2, jogando o título por mais de meia hora sem interrupções. Estávamos em um momento já avançado do game e o protagonista, Marcus Holloway, já contava com armas, gadgets e uma vastidão de upgrades já realizados em suas ferramentas de hacking. Estávamos livres para rodar por um grande trecho de São Francisco e fazermos o que quisermos.
Seguir em frente dessa forma, entretanto, seria muito complicado não fosse a presença de Joshua Cook, diretor de arte do título. Mais do que lá para falar sobre Watch Dogs 2, ele também ajudava os jornalistas a se entenderem com os controles e a grande quantidade de combinações existentes para uso de tudo aquilo que está à disposição de Marcus. São tantos botões e menus que, para os marinheiros de primeira viagem, dar conta de tudo é extremamente difícil.
Cada um dos botões do direcional digital do PlayStation 4, plataforma na qual os testes foram realizados, possui sua função distinta. A esquerda ou direita, por exemplo, ativam o drone ou o carrinho usado pelo protagonista para invadir locais à distância, enquanto cima ativa a roda de armas, e baixo uma sequência de emoções, que vão desde xingamentos até agradecimentos ou pedidos de ajuda.
Essa miríade de opções também aparece no momento de hackear alguma coisa. O botão L1, por padrão, realiza ações básicas como abrir uma porta ou causar distrações em um inimigo por meio de seu celular. Segurá-lo, entretanto, abre uma nova roda de opções para serem selecionadas.
Absolutamente tudo tem reflexo no mundo, já que segundo Cook, a ideia foi criar um mundo vivo e que representasse a São Francisco real, suas pluralidades e excentricidades. Mostrar o dedo do meio para um transeunte, por exemplo, pode fazer com que ele ataque Marcus ou chame a polícia, enquanto sacar uma arma causa uma correria generalizada, e mais ligações para o 911. Errar o comando, então, gera reações indesejadas. E aqui é que está o problema – você vai se equivocar bastante.
Alguns problemas, por exemplo, são capazes até mesmo de estragar uma incursão bem planejada. Da cobertura, selecionar uma emoção sem querer, na hora de trocar de arma, por exemplo, pode fazer com que Marcus deixe a proteção para realizar a ação. Esse ato não pode ser cancelado na metade, ou seja, você estará completamente vulnerável durante a animação. E o hacker protagonista não é nada forte, precisando de poucos tiros para morrer.
Navegar por tantas combinações e menus na hora de um tiroteio ou uma correria pode acabar sendo tarefa complicada. Por outro lado, em nossa demonstração, estávamos em um momento já avançado do título, e toda essa confusão pode muito bem ser mitigada quando se joga desde o início, por meio de um sistema de aprendizado bem desenvolvido, que introduz conceitos aos poucos e dá tempo para que o jogador se acostume. Mesmo assim, o nó nos dedos estará lá, sempre, pronto para colocar tudo a perder.
Fazer a mesma coisa, esperando que algo mude
Outro fator bastante evidenciado por Cook, e que deriva diretamente da explosão de opções disponíveis para Marcus, é a liberdade. Nos levando em um tour pelo celular do protagonista, o diretor de arte nos mostrou meia dúzia de missões já habilitadas, e disse que Watch Dogs 2 se comporta assim durante quase todo o tempo – o jogador sempre terá liberdade, e poderá seguir os objetivos quando e se quiser, na ordem em que desejar, progredindo de acordo.
O mesmo vale para a abordagem das missões. Marcus pode seguir tanto a maneira do hacker, fazendo tudo à distância usando o drone e o carrinho, como seguir pessoalmente para os objetivos. Algumas missões, afirmou Cook, exigirão certos usos da tecnologia, como uma em que precisávamos usar o robô voador para entrar por uma janela, inacessível de outra maneira, e abrir uma porta. Ainda assim, sempre existirão opções, afirma ele, como uma abordagem furtiva ou violenta, por exemplo.
Escolhida uma das missões, segui até ela e penei um pouco para achar a melhor forma de realiza-la. Marcus devia roubar uma van, oculta atrás de dois portões que precisavam ser destrancados. Preferi agir à distância, usando o drone para roubar as credenciais das trancas e as câmeras para controlar o veículo de longe, trazendo-o até onde eu estava, enquanto os guardas tentavam entender o que estava acontecendo.
Ignorando o fato de que o mundo de Watch Dogs 2 é extremamente tecnológico, mas os guardas e transeuntes agiam como se o capeta tivesse tomado conta de seus eletrônicos, segui para a próxima missão, uma secundária, onde eu deveria roubar dados do celular de um alvo. Aqui, usei a mesma tática, drones e câmeras, para conseguir meu objetivo, além da ajuda de um grupo de gangsteres que chamou a atenção dos guardas enquanto eu procurava um local seguro para agir.
Ao final da sessão, ficou a sensação de que todos os problemas podem ser resolvidos de uma mesma maneira, por mais que existem dezenas de opções possíveis. O jogador, provavelmente, vai encontrar a que mais se adequa a seu estilo e permanecer com ela, prosseguindo sempre da mesma maneira.
Esse problema é semelhante ao enfrentado por Metal Gear Solid V: The Phantom Pain, que tornou o título repetitivo. E aqui, dá para pensar que o resultado será o mesmo, com diferentes missões tendo o mesmo desfecho, facilmente finalizadas, e pouco incentivo à variação. Todos nós temos uma rotina diária, mas em um game, cabe aos desenvolvedores fazer com que o jogador pense fora da caixinha e saia de sua zona de conforto. Caso contrário, é lá mesmo que ele vai ficar.
A cautela exibida pelos desenvolvedores de Watch Dogs 2 é até justificável, mas se tem um game que merece ser alardeado por tudo o que ele possibilita, é este. Os belos gráficos prometidos no primeiro e a possibilidade de hackear todo o mundo à sua volta, que não apareceram lá, estão aqui, em um título que expande grandemente seu universo e, acima de tudo, se apresenta como uma opção extremamente divertida.
As falhas em termos de intuitividade e criatividade podem acabar reduzindo a qualidade geral de uma experiência que tem tudo para ser bem interessante e divertida. Por conta disso, o novo título pode até não ser “o Assassin’s Creed II da franquia Watch Dogs”, como tanto tem se falado por aí, mas mostra, pelo menos, que a Ubisoft sabe aprender com os seus erros e trabalhar em prol de melhorar as coisas para os jogadores, entregando mais daquilo que eles desejam.
Watch Dogs 2 chega em 15 de novembro para PC, PlayStation 4 e Xbox One.