Haunting Ground nasceu de uma ideia boa o suficiente para não ser descartada. O game, com roteiro de Noboru Sugimura, surgiu inicialmente como um dos protótipos do mítico Resident Evil 4, que passaria por diversas iterações antes de se tornar o clássico absoluto que todos conhecemos. Era uma época em que a Capcom fervilhava de ideias, com direito ao nascimento de uma outra franquia que você conhece hoje como Devil May Cry.
Da mesma forma, essa quantidade insana de propostas e apostas levou ao que muita gente diz ser uma decisão errada de estratégia. Haunting Ground, conhecido como Demento no Japão, chegou às lojas apenas meses depois de Resident Evil 4, em um momento no qual todo mundo só queria saber de Leon. Essa escolha o transformou em um game um bocado obscuro, quase cult, e que jamais deixou o PlayStation 2, sem os relançamentos pelos quais a Capcom é tão conhecida.
Controlamos Fiona Belli, uma garota que sofre um acidente de carro e acorda em uma mansão com ares europeus. Rapidamente, percebemos que algo de muito errado está acontecendo aqui, na medida em que começamos a ser perseguidos e contamos apenas com a ajuda do cachorro Hewie, um dos únicos modos disponíveis para a própria defesa.
Sim, estamos falando de um jogo de perseguição, muito antes de essa se tornar uma das normas do terror, como nos anos recentes. E na medida em que fugimos e nos escondemos, ou mandamos o doguinho “pegar”, vamos destrinchando uma teia narrativa que envolve alquimia, filosofia e gente com sérias perturbações na cabeça.
Jogando Haunting Ground, dá para perceber porque ele encantou tanta gente. O game é realmente aterrorizante e belo, cheio de mistérios, caminhos alternativos e itens que podem facilitar ou dificultar a jornada. São muitos segredos a descobrir e enigmas a desvendar, a maioria nem sempre óbvios, mas bastante inteligentes. O problema é que o game também aposta em uma ideia podre de game design para estender sua experiência.
Ao aplicar a abordagem do perseguidor, a Capcom acaba por esmagar o jogador em uma teia de ineficácia e desequilíbrio. No recente remake de Resident Evil 2, por exemplo, critiquei o uso do Tyrant como uma forma de interromper o caminho do personagem, mas sem que seja possível lidar com ele. Quando o famoso Mr. X aparece, não resta nada a não ser correr para o outro lado e dar a volta, torcendo para que ele não ressurja e, novamente, atrapalhe o objetivo que tentamos cumprir.
E a palavra é essa mesmo: atrapalhar. De figura aterrorizante e opressora, o perseguidor rapidamente se torna um incômodo chato. Haunting Ground é assim do começo ao fim, e só vai se tornando pior na medida em que as ameaças a Fiona se tornam mais poderosas e implacáveis, mas sem que a própria protagonista ou Hewie ganhem ferramentas efetivas para lidar com isso.
Além disso, a Capcom aplica uma mecânica de pânico, além da tradicional saúde do protagonista. Mais do que sofrer danos, Fiona pode se desesperar, e isso significa que ela vai sair desembestada pelos cenários, dando de cara na parede e reduzindo o controle que o jogador tem sobre ela. A ideia parece boa na primeira e na segunda vez que aparece, mas depois, acaba soando mais como um obstáculo insuportável, que o usuário apenas pode esperar que acabe e torcer para não morrer no processo.
Cenários labirínticos contribuem para a boa sensação de clausura e promovem a exploração, mas também fazem com que se perder seja constante. Mas quando estamos sendo perseguidos constantemente, até isso se torna um incômodo, novamente, por impedir o nosso prosseguimento e a resolução de enigmas muitas vezes interessantes. Mais um caso de boas ideias que não resistem a um design ruim, como tantas neste game.
Vale a pena conhecer Haunting Ground? Sem dúvida nenhuma, principalmente se você for fã de Resident Evil ou outras pérolas do Survival Horror. Mas o game parece ter sido criado para jogatinas mais curtas ou, pelo menos, deixando o jogador livre para desligar o console assim que quiser, caso se irrite ou seja esmagado pelas mecânicas. Talvez o estilo apresentado no NGP, com longos gameplays de mais de duas horas em uma zeratina, não tenha sido a melhor forma de aproveitar o game. Pelo menos, ela rendeu momentos de pistolagem real e genuína.
Nenhuma argumentação, entretanto, é capaz de salvar o chatíssimo trecho final, com o aguardado combate contra Lorenzo, o último boss, representando um tipo de punição que deixaria Hidetaka Miyazaki orgulhoso e desesperado. De maneira geral, entretanto, a experiência é válida, e fica aqui o aviso, ninguém vai te julgar se você decidir dropar o título.
Haunting Ground foi lançado originalmente em 2005, apenas no PlayStation 2. Em 2015, o game recebeu uma versão digital para o PS3, em homenagem a seu aniversário de 10 anos, mas apenas no Japão.